
26/12/2023
Entre os dias 6 e 12 de novembro, uma equipe formada pelos pesquisadores científicos Lucas Godinho, do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e José Antonio Ferrari, do Núcleo de Geociências do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), realizou, na Bahia, atividades de campo de projeto que pretende identificar a zona de recarga de um aquífero e caracterizar sua hidrodinâmica. Para isso, serão utilizados traçadores corantes e será realizada análise espectral dos sinais hidrológicos do sistema. Com o experimento, pretende-se verificar se o aquífero cárstico com espessa cobertura sedimentar, como é o caso em São Desidério, apresenta uma assinatura espectral específica.
O sistema hidrológico estudado neste projeto possui setores que ocupam o Parque Municipal da Lagoa Azul de São Desidério e outros atrativos localizados em áreas privadas. Recentemente, o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) iniciou ações para transformar a área em um Monumento Natural. Os resultados do projeto de pesquisa contribuirão para o manejo ambiental da área.
Durante as atividades de campo, os pesquisadores instalaram equipamentos que realizarão medições contínuas de diferentes parâmetros hidrológicos e climáticos utilizados para a caracterização do aquífero.
“Neste trabalho, entendemos o aquífero cárstico como um sistema que transforma um sinal de entrada (a chuva) num sinal de saída (o fluxo de água na ressurgência principal). O grau de transformação do sinal de entrada fornece informações sobre as características do escoamento no interior do sistema. São as estações de monitoramento, instaladas nesta etapa do trabalho, que fazem a aquisição e o armazenamento de medidas contínuas dos sinais de entrada e saída do sistema. A análise espectral é o conjunto de ferramentas estatísticas que permite a caracterização das oscilações registradas sequencialmente nos sinais de entrada e saída. Para a análise global do sinal, utilizamos as ferramentas clássicas baseadas na Transformada de Fourier e, para compreender como o sinal variou ao longo do tempo, utilizamos a análise de ondeletas (wavelets). Estas análises trazem informações sobre a capacidade de drenagem/armazenamento do sistema e tempo de resposta da nascente a eventos chuvosos de diferentes magnitudes. São informações fundamentais para o manejo de recursos hídricos”, relata Ferrari.
As estações de monitoramento hidrológico vão apoiar os experimentos com traçadores corantes, que serão futuramente realizados. Os traçadores são substâncias utilizadas para identificar rotas de fluxo subterrâneas em sistemas hidrológicos. “A técnica permite identificar conexões hidrológicas com vários quilômetros de distância. Além disso, a curva de concentração do traçador obtida na nascente fornece informações sobre a dinâmica do fluxo e a geometria da rota percorrida, parâmetros utilizados para inferir o comportamento de um poluente dentro do sistema hidrológico”, explica o pesquisador. Existem diferentes substâncias que podem ser utilizadas como traçadores: corantes fluorescentes, sais, particulados e radioativos. Neste estudo são utilizados corantes fluorescentes, substâncias que já são utilizadas em estudos hidrológicos há mais de 100 anos. Podem ser detectados em concentrações muitas baixas (em partes por bilhão), demandando menor quantidade para a injeção, e apresentam baixa ou nenhuma toxidade. São injetados em poços ou sumidouros e sua concentração é monitorada em nascentes ou outros poços. Quando detectados nestes pontos, a conexão hidrológica estabelecida contribui para delimitar a zona de recarga, que é área de infiltração que alimenta a nascente ou um poço.
“É a primeira vez que estamos aplicando este tipo de abordagem num aquífero cárstico que é coberto por uma espessa camada de rochas clásticas (principalmente arenitos) que promovem uma importante recarga difusa. Vamos verificar se esta configuração se traduz numa assinatura específica para o sistema. Os modelos conceituais que formulamos a partir de mapas geológicos e modelos digitais do terreno indicam que algumas áreas de recarga podem estar localizadas em regiões muitos distantes. Se isso for comprovado pelos experimentos, podemos aprimorar políticas para disciplinar o uso do solo nestas áreas, visando a preservação dos recursos hídricos e dos monumentos naturais”, conclui.
O projeto “Aplicação de traçadores corantes para caracterização da dinâmica atual de fluxo d’água subterrânea no carste de São Desidério, Bahia, Brasil” é coordenado pelo professor Paulo Galvão, da UFMG, e também conta com a participação de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Instituto do Carste, de Minas Gerais, e da Western Kentucky University, dos Estados Unidos. A pesquisa é financiada pelo Cecav/ICMBio com fundos de compensação ambiental.