
07/12/2023
Foto: Haemagogus leucocelaenus / Crédito da foto: Genilton José Vieira
Entre 2016 e 2019, ocorreu uma epidemia de febre amarela no Brasil. A proximidade de florestas a áreas urbanas aumenta contato de humanos com mosquitos vetores silvestres. Com o objetivo de investigar a distribuição do vetor da doença em bordas urbanas da Mata Atlântica, uma pesquisa científica foi realizada em unidades de conservação da área metropolitana de São Paulo para avaliar a presença de larvas do mosquito Haemagogus leucocelaenus, principal transmissor do vírus causador da febre amarela, que se cria em ocos de árvores. O levantamento identificou quatro áreas com alto risco de transmissão. O estudo, publicado em junho deste ano, foi realizado por pesquisadores científicos do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) em conjunto com parceiros de instituições da área de saúde.
O levantamento foi realizado entre 2016 e 2018 nos parques estaduais da Cantareira e Alberto Löfgren, na zona norte da capital paulista. Os pesquisadores adentraram a mata a até cerca de 100 metros da borda procurando árvores escaláveis e árvores com buracos até uma altura de 14 metros. As cavidades das árvores foram testadas quanto à sua capacidade de reter água e suas dimensões internas foram medidas, bem como a posição na árvore a partir do solo. Também foram medidos o diâmetro dos troncos das árvores. Bombas manuais de sucção foram usadas para remover completamente a água, cuja amostras foram etiquetadas e levadas ao laboratório. Os ocos foram reabastecidos com água de uma nascente próxima para manter os níveis originais.
No laboratório, a identificação das espécies larvárias de mosquitos, foi realizada nas amostras de água coletada nos ocos. Em 105 das amostras de água retiradas dos buracos das árvores foram identificadas 1.316 larvas pertencentes a oito espécies de mosquitos, sendo 698 de Hg. leucocelaenus. Apesar de mais da metade dos indivíduos terem sido identificados como o principal vetor da doença, os resultados mostraram que a presença desta espécie parece ser menos provável em buracos de árvores ocupados por outras espécies da família Culicidae. A presença das espécies parece ser menos frequente, com o aumento da distância do oco em relação ao solo. Os resultados mostraram que quanto maiores os volumes de águas coletados e os diâmetros dos ocos, maior a abundância de larvas de Hg. leucocelaenus. Ocos grandes tendem a oferecer mais recursos alimentares e espaço para suportar mais indivíduos. Quanto maior o volume da cavidade, maior a probabilidade da co-ocorrência de duas espécies. Outras 68 amostras de água foram negativas para presença larval.
Os pesquisadores acompanharam os dados mensais de precipitação e temperatura dos parques obtidos na estação meteorológica Tremembé-Jaçanã. Os resultados mostraram que os picos de alta densidade larval de Hg. leucocelaenus ocorreram em agosto e dezembro de 2017 e julho de 2018, durante a estação úmida, coincidindo com o início dos casos epizoóticos de febre amarela na cidade de São Paulo. Ainda assim, os pesquisadores obtiveram registros de oviposição em ocos de árvores com volumes inferiores a 250 mL, o que sugere que Hg. leucocelaenus, que tem rápido desenvolvimento, pode necessitar de menor volume de água para se reproduzir. Os autores do artigo observaram ainda que as fêmeas do mosquito colocaram seus ovos nos buracos de árvores de onde haviam sido retirados seus ovos e larvas, sugerindo que elas revisitaram os ocos que são adequados para a oviposição.
A participação dos pesquisadores do IPA, Osny Tadeu de Aguiar e João Batista Baitello, foi muito importante para identificar as espécies arbóreas da área de investigação. Foram realizadas quatro expedições com esse objetivo e a identificação foi confirmada no Herbário Dom Bento José Pickel. A abundância das espécies arbóreas foi diferente entre as amostras positivas e negativas com ocos. As espécies arbóreas que mais apresentaram ocos negativos para larvas foram carvalho brasileiro (Euplassa cantareirae), camboatã (Guarea macrophyla), araçá-de-macaco (Psychotria suterella) e manacá-da-serra (Tibouchina pulchra). Talvez esse resultado, se deva a estarem mais distribuídas na área de investigação.

Pesquisador Osny Tadeu de Aguiar em campo fazendo a identificação das espécies arbóreas para o estudo
Além dos pesquisadores do IPA, o estudo leva a autoria de pesquisadores e pesquisadoras do Instituto Pasteur e da Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), ambos da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Oswaldo Cruz.
O artigo científico Physical Attributes of Tree Holes in the Atlantic Forest Edges: Evaluating Their Association with the Presence and Abundance of Immature Haemagogus leucocelaenus (Atributos físicos de buracos de árvores nas bordas da Mata Atlântica: avaliando sua associação com a presença e abundância de Haemagogus leucocelaenus imaturos) foi publicado na revista científica Tropical Medicine and Infectious Disease.
Texto: Núcleo de Divulgação Científica