
24/01/2023
Nos últimos 20 anos houve um grande esforço de coleta de fanerógamas no Estado de São Paulo devido ao projeto Flora Fanerogâmica. O resultado disso foi a publicação, nesse período, de número expressivo de novas espécies e tratamentos monográficos de 152 famílias de Angiospermas e duas Gimnospermas, totalizando 840 gêneros e 3.759 espécies nos volumes de 1 a 8 publicados até o presente e, a certeza dos taxonomistas que o conhecimento da biodiversidade paulista e brasileira está longe de ser razoavelmente completo. Muitas exsicatas estão nos herbários ainda à espera de identificação e descrição.
O pesquisador científico João Batista Baitello, do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), participou da descoberta de uma nova árvore da Mata Atlântica das Lauráceas, popularmente conhecida como canela. A Ocotea bilocellata é a primeira espécie desse gênero observada com dois esporângios ou locelos nas anteras. O resultado da pesquisa dá evidências de uma transição evolutiva de algumas espécies gimnodióicas (com flores aparentemente hermafroditas em alguns indivíduos e femininas em outros) para dióicas verdadeiras (plantas com flores de sexos separados em indivíduos diferentes).
A descrição da nova espécie foi publicada no Edinburgh Journal of Botany 79, Article 1875: 1-23, 2022, periódico científico britânico, e é resultado de parceria entre o IPA, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, a Universidade Federal da Bahia e a Universidade Estadual de Feira de Santana. A espécie foi coletada em Unidades de Conservação localizadas no Estado de São Paulo e é a 11ª descoberta no currículo do pesquisador.
Espécie de canela inusitada
Perguntado sobre o que a nova espécie tinha de notável, Baitello começa respondendo que na família Laurácea a flor produz seus grãos de pólen (o elemento reprodutor masculino) em estrutura especializada, o androceu, formado, em geral, por 3 a 9 estames, cujas anteras têm 2 a 4 esporângios (locais onde são produzidos os grãos de pólen) com aberturas valvares (os locelos).
Um dos 24 gêneros das Lauráceas reconhecidos pelos taxonomistas é Ocotea.
O pesquisador conta que as Ocotea eram aceitas pelos taxonomistas, até então, com suas anteras valvares compostas por 4 esporângios ou locelos, dispostos em 2 pares sobrepostos. “No entanto, os gêneros da família são circunscritos e reconhecidos pela soma de um conjunto de caracteres e não apenas pelo número e disposição dos esporângios. Os 24 gêneros são definidos por um conjunto diferente de caracteres morfológicos da planta como um todo (partes vegetativas e reprodutivas)”, explica Baitello.
Até a publicação do artigo cientifico de descrição da Ocotea bilocellata, não havia sido documentada, nenhuma espécie de canela com 2 esporângios nas anteras pertencente a esse gênero. “Daí o caráter inusitado e inédito da descoberta. É o primeiro caso no gênero Ocotea, mas não na família, pois, no Estado de São Paulo, outros sete gêneros são biesporangiados, mas com circunscrições diferentes e particulares, a saber: Aiouea, Aniba, Beilchmiedia, Endlicheria, Cassytha, Cryptocarya e Licaria“, revela o pesquisador.

Frutos de Ocotea bilocellata
Das Unidades de Conservação aos herbários e laboratórios
Até o momento, a espécie tem ocorrência confirmada nos núcleos Cunha-Indaiá, Santa Virgínia e Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar (PESM) e nas estações Experimental e Biológica de Boracéia. A descoberta mostra a importância das Áreas Protegidas tanto para a pesquisa científica como para a proteção ambiental.
A confirmação de que se tratava de uma nova espécie se deu a partir de coletas realizadas no Núcleo Cunha – Indaiá ainda no ano de 2016. Apesar da semelhança com outra espécie da mesma área de ocorrência, a Ocotea daphnifolia, (cujos estames são tetralocelados ou tetraesporangiados) a nova espécie de canela passou a ser reconhecida como distinta. Deu-se início a um amplo estudo da morfologia das flores, folhas e frutos. Em paralelo, foi necessário o estudo filogenético, que revelou uma sequência de dados (tendo como base o ribossoma nuclear ITS e plastídio psbA-trnH) que indicavam que os espécimes estudados se relacionam a um dos 29 grupos informais, grupo “Ocotea minarum”, propostos na última grande sinopse do gênero. Para a descrição taxonômica e sequenciamento do DNA dessa nova espécie, além das coletas do Núcleo Cunha-Indaiá do PESM, utilizou-se exsicatas de diferentes herbários: ESA-Piracicaba, HRCB-Rio Claro, IAC-Campinas, SP-São Paulo, SPF-São Paulo, SPSF-São Paulo e UEC-Campinas. Dessa forma juntou-se evidências necessárias para enquadrar a nova espécie, de forma clara e inequívoca, dentro do gênero Ocotea, tradicionalmente, até então, reconhecido por portar 4 esporângios ou locelos.
A descoberta dá nova dimensão ao conceito do gênero Ocotea, que fica estendido às plantas da família Lauráceas cujos estames férteis do androceu das flores unissexuadas masculinas apresentam anteras valvares com 2 a 4 esporângios (além das características tradicionais que circunscrevem o gênero e as diferenciam dos demais).
Evolução nos trópicos
Em escala global, segundo vários especialistas, a dioicia (flores masculinas e femininas em indivíduos diferentes) é um fenômeno raro em angiospermas. É mais frequente em floras tropicais do que nas temperadas. Há uma diferença peculiar na distribuição geográfica de espécies bissexuadas (hermafroditas) em relação às espécies dióicas (unissexuadas). “Embora ambos os grupos coexistam nas regiões tropicais e subtropicais das Américas Central e do Sul, grupos dióicos têm centro de diversidade na região amazônica (onde espécies hermafroditas estão praticamente ausentes), e alta frequência em outras áreas, inferindo sucesso evolutivo via seleção natural. Especialmente para o estado de São Paulo, Ocotea dióicas se revelam quase o dobro do número de hermafroditas desse gênero”, relata Baitello.
Considerando que a maioria das espécies atuais de Ocotea é unissexuada, a gimnodioicia pode ser uma transição evolutiva de umas poucas espécies para uma dioicia verdadeira. A estrutura atual das flores gimnodióicas pode sugerir que a evolução ocorre na direção de uma esterilização gradativa do gineceu (estrutura feminina produtora do óvulo) da flor supostamente bissexuada que resultará em flores imperfeitas e plantas dióicas. No estado de São Paulo, não exclusivamente, ocorrem espécies do grupo informal “Ocotea minarum”, com flores gimnodióicas: Ocotea minarum, Ocotea daphinifolia, Ocotea frondosa, Ocotea odorata e Ocotea vaccinioides.
Pesquisador do IPA já descobriu 11 espécies da família Lauraceae
Baitello ingressou no Instituto Florestal em 1976. Em seus quase 47 anos de dedicação à instituição (IPA a partir de 2020), especialmente junto ao Herbário Dom Bento José Pickel – SPSF, possui em seu currículo a descoberta e descrição de 11 novas espécies, todas da família Lauraceae. São elas:
- Rhodostemonodaphne capixabensis Baitello & Coe-Teixeira (1991)
- Ocotea beulahiae Baitello (1993)
- Ocotea curucutuensis J. B. Baitello (2001)
- Ocotea cryptocarpa J. B. Baitello (2001)
- Mezilaurus vanderwerffii Alves & Baitello (2008)
- Ocotea paranaensis Brotto, Baitello, Cervi & Santos (2010)
- Ocotea marumbiensis Brotto & Baitello (2012)
- Ocotea georgeshepperdii J. B. Baitello (2015)
- Ocotea koscinskii Baitello & Brotto (2016)
- Ocotea mantiqueirae Baitello, Arzolla & Vilela (2017)
- Ocotea bilocellata Baitello, D.B.O.S.Cardoso & P.L.R.Moraes (2022)
Entre outras conquistas em quase meio século de trabalho na instituição, no ano de 2017 Baitello foi agraciado com a medalha Alba Lavras, condecoração dada pela Associação de Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), àqueles que tenham se destacado em favor da Ciência.
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