11/09/2024

Crédito da foto: Victor Velázquez Fernandez

A mais recente edição da revista Derbyana, um dos periódicos científicos do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), publicou um artigo do geólogo Álvaro Crósta, professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que movimenta os debates sobre a possível presença de uma cratera proveniente de impacto meteorítico na capital paulista.

Nas últimas décadas, os impactos meteoríticos passaram a receber atenção científica por serem fenômenos de importância fundamental para a compreensão da evolução de todo o Sistema Solar. Esses processos geológicos, por suas características extremas de pressão e temperatura, são capazes de promover transformações permanentes em rochas da crosta terrestre, formando estruturas denominadas “crateras de impacto”. A maioria das crateras conhecidas na Terra se encontra em um estágio parcial de preservação, recebendo a denominação de “astroblemas”. Atualmente, são conhecidas aproximadamente 200 estruturas dessa natureza em nosso planeta. Na América do Sul há onze. As nove maiores e mais antigas estão no Brasil.

As primeiras menções à ocorrência de potenciais estruturas de impacto meteorítico em nosso país datam das décadas de 1960 e 1970. Apenas no início da década seguinte surgiram os primeiros trabalhos científicos mais sistemáticos, bem como a primeira relação das estruturas de impacto brasileiras. A consolidação dessa área do conhecimento no Brasil só viria a ocorrer ao longo das últimas duas décadas, com a realização dos estudos geológicos, geofísicos e geoquímicos de detalhe que permitiram estabelecer a origem meteorítica dessas estruturas.

Mapa de localização das estruturas de impacto brasileiras com as bacias sedimentares do Paraná (1) e do Parnaíba (2) delimitadas. Ao fundo, a Carta Geológica do Brasil ao Milionésimo

 

No artigo, o autor apresenta uma síntese do conhecimento atual sobre o registro de estruturas provenientes de impactos comprovadas no Brasil, assim como algumas das que têm potencial para terem sua gênese atribuída a esse tipo de processo geológico, mas que ainda carecem de dados comprobatórios mais sólidos. Aqui, destacamos o debate sobre uma cratera com possível origem de impacto meteorítico na periferia da maior metrópole da América Latina.

Uma controversa cratera na capital

Na Zona Sul município de São Paulo, no distrito de Parelheiros, está localizada a Cratera de Colônia. A estrutura tem 3,6 km de diâmetro. Estima-se que tenha se formado em algum momento entre 5 e 36 milhões de anos atrás. Sua origem tem sido motivo de debates desde o início da década de 1960, quando foi identificada e já associada a um possível impacto meteorítico. Crósta afirma em seu artigo que, desde então, uma série de estudos foram conduzidos na estrutura sem, porém, que sua formação por impacto meteorítico pudesse ser comprovada de forma conclusiva.

No artigo científico “The Colônia Astrobleme, Brasil“, publicado em 1991 no volume 12 da Revista do Instituto Geológico por outro grupo de pesquisadores, os autores concluíram, à época, que “apesar da falta de evidências diretas, a estrutura de Colônia é provavelmente um astroblema“.

Segundo Crósta, a maioria dos estudos utilizaram diversos métodos geofísicos para estimar a forma, espessura e demais características do seu preenchimento sedimentar, bem como investigar eventual fenômeno endógeno que pudesse ser o responsável por sua formação, mas os resultados mostraram a inexistência de mecanismo endógeno para sua formação.

Desde 2013, evidências vem sendo reunidas e apresentadas para a comprovação da hipótese do impacto por outro especialista no assunto, Victor Velázquez, docente da Universidade de São Paulo (USP), conforme publicações do Jornal da USP e Agência Fapesp. No entanto, Crósta entende que tratam-se de evidências indiretas e não há evidências diretas cientificamente aceitas desse fenômeno. Essas supostas evidências, segundo ele, não se sustentam frente à literatura. Para o geólogo, a origem por impacto da estrutura de Colônia permanece uma questão científica ainda em aberto. Ela só deverá ser elucidada a partir da análise de material contendo evidências de choque ou assinaturas geoquímicas de material meteorítico.

A ciência possui caráter dinâmico. Está em constante evolução, sempre se adaptando e se transformando com base em novas descobertas, evidências e tecnologias. O conhecimento científico não é estático, mas sujeito a mudanças e revisões contínuas à medida que novos dados são obtidos ou teorias antigas são questionadas. Um dos aspectos desse caráter dinâmico da ciência é a possibilidade de corroboração ou refutação. As teorias científicas são constantemente testadas. Uma ideia que é amplamente aceita pode ser refutada com o tempo se novos dados mostrarem que ela está incorreta ou incompleta. Assim, as teorias científicas estão sempre abertas a revisões, o que garante que o conhecimento seja sempre aprimorado, atualizado e aprofundado.

Conservação do patrimônio geológico

Essas estruturas de impacto são sítios bastante propícios ao desenvolvimento de ações ligadas à valorização e preservação do patrimônio geológico e à conservação da geodiversidade. No Brasil, a iniciativa de criação de geoparques ainda é embrionária e, até o presente momento, apenas seis deles foram oficialmente registrados junto à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), sendo que nenhuma das estruturas de impacto brasileiras tem ainda um geoparque.

A Cratera de Colônia, além de constar da lista dos geossítios oficiais da Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Palentológicos (Sigep), foi tombada em 2003 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). Em 2007, foi criado o Parque Natural Municipal da Cratera de Colônia, cobrindo uma área de 53 hectares abrangendo uma parte ainda sem ocupação localizada no interior da cratera.

Crósta entende que, por estar localizada em um distrito da maior metrópole da América do Sul, a Cratera de Colônia tem um grande potencial intrínseco para o desenvolvimento de atividades científicas, educacionais e culturais. Mas pondera que um passo fundamental para isso é a comprovação, por métodos científicos apropriados, da sua origem por impacto meteorítico e da sua idade, o que permitirá grandes avanços científicos.

Cratera submarina

Outra estrutura do estado de São Paulo que tem possível origem por impacto meteorítico, mas ainda carece de comprovação científica, é uma feição circular submarina localizada na plataforma continental atlântica, a 200 km de distância da costa a partir do município de Praia Grande. Com 20 km de diâmetro, a cratera está situada abaixo de uma lâmina d’água de 1,3 km de profundidade e de uma coluna de rochas sedimentares com cerca de 4 km de espessura. A estrutura foi descoberta a partir de levantamentos que a Petrobras realizou na Bacia de Santos.

Derbyana

O artigo “Registros geológicos de impactos meteoríticos no Brasil: evolução e estágio atual” está disponível no volume 45 da Derbyana, revista científica do IPA que deu continuidade à Revista do Instituto Geológico, do instituto homônimo, publicada de 1980 a 2020. O periódico publica artigos relacionados às geociências e áreas correlatas, inéditos e originais, de caráter científico e/ou tecnológico. Destina-se também à publicação de revisões, mapas e cartas, notas prévias, comentários, críticas e réplicas de artigos.

O nome da revista é uma homenagem a Orville Derby (1851-1915), geólogo e geógrafo estadunidense radicado no Brasil e um dos patronos das geociências em nosso país. O primeiro trabalho que se conhece sobre meteoritos no Brasil foi feito por Derby e publicado em 1888, na revista do Observatório Nacional. Ele foi o primeiro diretor da Commissão Geographica e Geológica de São Paulo, criada em 1886, que realizou pesquisas pioneiras sobre solo, clima, geomorfologia, geologia e hidrografia no âmbito do Estado de São Paulo. A Comissão, de cunho científico e expedicionário, foi o embrião de diversas instituições de pesquisa paulistas, tais como Instituto Geológico, Instituto FlorestalInstituto de Botânica, cujas atribuições atualmente passaram ao IPA, e Instituto Geográfico e Cartográfico, Instituto Astronômico e Geofísico, Museu Paulista e Museu de Zoologia, hoje ligados à USP.