02/07/2024

Crédito da imagem: Rubens Teixeira de Queiroz

A degradação ambiental muitas vezes altera profundamente as características e, principalmente, a resiliência de determinados ecossistemas. Para a recuperação dessas áreas, a seleção de espécies botânicas cujas características permitam seu desenvolvimento em tais condições é primordial. A Sesbania virgata é uma espécie nativa da América do Sul com comportamento “agressivo” e que vem sendo bastante utilizada ao longo de anos em ações de restauração de áreas degradadas pela mineração. A planta possui grande potencial de uso para programas de restauração ecológica em condições específicas. Esse uso decorre do fato dela apresentar alto e rápido índice de germinação e de desenvolvimento e bom potencial de cobertura do solo nos mais variados tipos de substrato, sendo tolerante inclusive à permanência em solos inundados. Essa “agressividade” decorre de diversos fatores, como a produção de substâncias aleloquímicas capazes de inibir germinação das sementes e o desenvolvimento de espécies concorrentes, inclusive exóticas reconhecidamente invasoras, como Leucaena leucocephala.

Durante anos de estudo, diversas pesquisas do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) buscaram entender a forma e os mecanismos pelos quais a sesbânia chegava não só a dominar determinado ambiente, como inibir o desenvolvimento de outras plantas nativas. Esse foi o foco da pesquisa de doutorado da bióloga Vera Lygia El Id no programa de pós-graduação do IPA, orientada pelo pesquisador científico Nelson Augusto dos Santos Junior. A tese resultou em dois artigos científicos publicados recentemente.

Capacidade de adaptação a diferentes solos e regimes de irrigação

Na pesquisa publicada na Revista do Instituto Florestal, foi analisado o efeito de alguns fatores ambientais sobre a produção dessas substâncias que a S. virgata gera para inibir o desenvolvimento de outras plantas. Foram verificados se fatores de estresse ambiental, como condições distintas de solo e de disponibilidade hídrica, poderiam interferir na germinação e no desenvolvimento inicial da espécie. Assim, sementes de matrizes produtoras e não produtoras de catequina foram semeadas em três tipos de solo (comercial, solo do local das matrizes produtoras e solo do local das matrizes não produtoras do aleloquímico) e submetidas a quatro sistemas de irrigação. Os parâmetros avaliados foram o processo germinativo das sementes até a estagnação (ocorrido no quarto mês) e o desenvolvimento inicial pelo período de seis meses.

Nos experimentos, as sementes germinaram integralmente praticamente em todos os tipos de solo e condições de irrigação avaliados. Além disso, as mudas se desenvolveram bem em todos os tratamentos, inclusive nos solos menos férteis e sob estresse hídrico. A sequência de eventos fisiológicos e bioquímicos durante a germinação das sementes é influenciada por diversos fatores abióticos, como luz, temperatura e saturação hídrica dos solos, que podem restringir ou inibir a germinação, o que não foi observado no estudo, pois os dados mostraram que as sementes de sesbânia apresentam alto percentual e velocidade de germinação em quaisquer condições. Isso reforça a plasticidade da espécie e lhe confere uma vantagem adaptativa, mesmo em condições de estresse ambiental.

Entretanto, nas médias gerais de todos os solos, na medida em que se aumentava a irrigação, aumentavam os valores, tanto de altura, quanto de diâmetro das mudas. Não só o déficit hídrico, mas também o excesso de água no substrato é prejudicial na fase de muda, de acordo com sua intensidade e duração. O déficit reduz a absorção de nutrientes, enquanto o excesso lixivia nutrientes e propicia condições favoráveis aos patógenos.

Os autores apontam que existem evidências de que plantas submetidas a estresses abióticos moderados apresentam maior tolerância a estresses subsequentes. Este efeito se daria pelo fato de as células vegetais já apresentarem o metabolismo direcionado à produção de metabólitos de defesa, em virtude do primeiro estresse infligido, uma resposta adaptativa das plantas a essas condições ambientais adversas pode ser considerado mais uma provável vantagem adaptativa da espécie, para condições ambientais extremas, facilitando sua conquista e sua colonização em novos ambientes.

Inibição de fungos

No estudo publicado na revista científica Acta Scientiarum-Biologial Science, foi analisado o efeito de extratos produzidos a partir da S. virgata sobre os fungos que ocorrem em suas sementes, como forma de verificar os mecanismos que ela possui para inibi-los.

A espécie é bastante eficiente para a formação de banco de sementes do solo, que são reservas de sementes que permanecem no solo, muitas vezes por longos períodos, aguardando condições ambientais adequadas para germinação e crescimento. Esses bancos de sementes desempenham um papel crucial na regeneração e resiliência dos ecossistemas, permitindo que plantas revegetem áreas após distúrbios como incêndios, enchentes, ou atividades humanas. Os bancos de sementes do solo são um componente vital da dinâmica dos ecossistemas, ajudando a manter a diversidade e a estabilidade ao longo do tempo. No entanto, são suscetíveis a infecções fúngicas e outros fatores bióticos.

Neste estudo, foram coletadas sementes de populações da planta que produzem ou não o flavonoide catequina. Essas sementes foram submetidas a testes laboratoriais para identificação e quantificação das populações fúngicas no tegumento. Foram avaliados o efeito da aplicação do extrato de casca de sementes da espécie em esporos de três gêneros de fungos e da inoculação do micélio desses fungos em sementes da sesbânia. Observou-se que os extratos aquosos do tegumento inibiram o crescimento micelar de fungos do gênero Alternaria e aumentaram o crescimento de fungo do gênero Phoma (o que causou letalidade em sementes pós-germinadas). Os resultados da pesquisa mostraram que a origem das sementes estava diretamente relacionada aos fungos presentes, havendo variações na composição dos fungos, dependendo da origem. Os extratos inibiram o crescimento de alguns fungos e estimularam outros. Este resultado provavelmente esteve ligado ao fato de que, evolutivamente, enquanto a sesbânia desenvolveu características e ferramentas para inibir patógenos específicos, alguns deles, por outro lado, também evoluíram para tolerar esta inibição.

“As pesquisas demonstraram que a sesbânia, além das características desejadas quando implantada num novo ambiente (como crescimento rápido, pouca exigência nutricional, plasticidade, etc.), apresenta a capacidade de produção de algumas substâncias que conferem à ela grande vantagem adaptativa no ambiente, seja inibindo outras espécies ou controlando a incidência de fungos que poderiam comprometer a germinação das suas sementes”, explica Nelson.