11/07/2024

O gênero Eugenia, da família botânica das mirtáceas, inclui espécies florestais e frutíferas com grande potencial econômico, pois produzem frutos carnosos, alguns doces, próprios para consumo in natura ou para processamento. A espécie mais conhecida é a pitangueira (Eugenia uniflora). Outras do gênero também dão frutos saborosos, como a uvaia (E. pyriformis) e a grumixama (E. brasiliensis). Na natureza, esses frutos são dispersos por animais, que se alimentam deles ou de suas sementes e, neste processo, as sementes podem ser partidas ou fracionadas.

As espécies desse gênero botanico apresentam alta capacidade regenerativa, produzindo raízes e plantas inteiras a partir de sementes que tiveram redução da massa cotiledonar e perderam grande parte de suas reservas. O fracionamento das sementes pode resultar em valores superiores a 100% de germinação. Ou seja, uma única semente, fracionada, pode produzir mais de um conjunto de raízes. Além disso, para algumas espécies de Eugenia a capacidade regenerativa das sementes está presente durante um longo período, desde sementes ainda imaturas até aquelas que já iniciaram a germinação.

No intuito de compreender os fatores envolvidos nesta capacidade regenerativa que permite a formação de novos rebentos mesmo quando a semente é fracionada, um grupo de pesquisadores do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) escolheu a Eugenia candolleana, espécie popularmente conhecida como cambuí-roxo e que ainda não havia sido amplamente estudada, para analisar os limites de suas regenerações.

No estudo, foram coletados frutos da espécie, provenientes de matrizes do Parque Estadual Fontes do Ipiranga, na região da capital paulista, e em propriedade privada no município de Rio Claro (SP). As sementes foram extraídas e armazenadas por um período de até seis meses. Simulando herbivoria, foi realizado o fracionamento das sementes e de suas partes aéreas. Quando as raízes primárias das sementes atingiram 1,5 cm de comprimento, foram eliminadas com auxílio de bisturi cirúrgico. Em seguida, as sementes foram colocadas na caixa de germinação. As novas raízes geradas a partir dessas sementes também foram retiradas ao atingirem 1,5 cm e as sementes foram novamente colocadas na caixa. Este processo foi repetido até que as sementes produzissem a sétima raiz (sexta raiz regenerada). O mesmo procedimento foi realizado para avaliar a regeneração de mudas inteiras, eliminando a parte aérea e as raízes quando as mudas atingiram 2,5 cm de comprimento total.

Os resultados mostraram que as sementes de cambuí-roxo regeneram raízes e brotos mesmo com redução da matéria cotiledonar pela metade, mantendo a capacidade de germinar sucessivas vezes quando as primeiras raízes produzidas são perdidas. Essa capacidade de regeneração ocorre mesmo em sementes armazenadas. As sementes dessa espécie possuem muito mais matéria cotiledonar do que o necessário para apenas uma germinação. Mesmo quando uma fração é eliminada e suas reservas nutricionais são reduzidas à metade, ainda assim conseguem regenerar novas raízes e mudas. No entanto, os autores da pesquisa ressaltam que a cada nova formação de raízes ou brotos, quando se perde alguma raiz ou parte aérea, há um aumento no tempo necessário para essa regeneração.

Essa capacidade regenerativa pode estar associada à seleção evolutiva, permitindo que essas sementes sejam muito predadas e, mesmo assim, continuem a germinar mesmo com baixas reservas energéticas. Nas espécies de Eugenia, o grande acúmulo de reservas e a aquisição de capacidade regenerativa nas sementes ainda bastante imaturas podem ter permitido que a espécie se perpetuasse no ambiente por meio de sucessivas germinações a partir de uma mesma semente. A grande vantagem desta estratégia é a continuidade da espécie no ambiente, mesmo adverso, por longos períodos. Como essas sementes são sensíveis à dessecação (recalcitrantes), não poderiam formar bancos de sementes no solo, como ocorre em muitas espécies com sementes ortodoxas, pois teriam que germinar imediatamente ou deteriorariam rapidamente. No entanto, a capacidade de produzir germinações sucessivas, associada aos mecanismos de tolerância aos déficits hídricos do ambiente e de regenerar raízes e brotos sob essa condição, produz um efeito semelhante ao de bancos de sementes no solo. Isso pode indicar que sementes são capazes de aguardar a próxima safra regenerando diversas vezes. Assim, as sementes de cambuí-roxo são capazes de permanecer por mais tempo no ambiente, permitindo sua sobrevivência em condições ambientais desfavoráveis.

O artigo científico “Regeneration of roots and shoots as a propagation strategy in Eugenia candolleana DC. (Myrtaceae) seeds (Regeneração de raízes e brotos como estratégia de propagação em sementes de Eugenia candolleana), de autoria de Camila Alonso, Maiara Ribeiro, Marina Guardia e Claudio José Barbedo, foi publicado em janeiro de 2024 na revista científica Journal of Seed Science, antiga Revista Brasileira de Sementes, publicação da Associação Brasileira de Tecnologia de Sementes (Abrates).

Imagem: Folhas frutos e sementes de Eugenia candolleana / Crédito: Jorge Stolfi / CC BY-SA 3.0