26/07/2024

A data de 26 de julho celebra o Dia Internacional para a Conservação do Ecossistema de Manguezais. O Brasil possui a terceira maior área de manguezal do planeta. Os manguezais estão entre os ecossistemas biológicos mais produtivos e importantes do mundo, fornecendo inúmeros serviços ecossistêmicos, como produção de alimentos, controle de erosão e retenção de sedimentos, proteção contra vento e tempestades, estabilidade da linha de costa, remoção e estoque de CO₂, polinização, manutenção da biodiversidade e exportação de biomassa e benefícios culturais, como recreação, ecoturismo, conservação da paisagem, entre outros.

Esse ecossistema está sujeito a impactos negativos de várias origens e suas áreas vêm sendo reduzidas, provocando perda de seus serviços ecossistêmicos. Essas perdas podem ser atribuídas a vários fatores tanto naturais quanto antrópicas em diferentes escalas, desde ameaças localizadas de exploração de recursos até as mudanças climáticas. O impacto pode ser potencializado quando se considera a soma desses fenômenos. Podemos citar a industrialização, a urbanização, a aquicultura, além de outras atividades humanas desenvolvidas ao longo da zona costeira que acabam impactando os manguezais. As mudanças climáticas também têm um impacto substancial nos manguezais por meio de processos que incluem o aumento do nível do mar, mudanças nas correntes oceânicas, aumentos de eventos climáticos extremos (com maior frequência e mais intensidade), o aumento da temperatura do ar e do mar, alterações no regime de precipitação, entre outros.

O Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), ciente da importância desse tipo de ecossistema para a prestação de serviços ecossistêmicos e de sua vulnerabilidade, realiza pesquisas científicas que subsidiam ações e políticas públicas para sua proteção. Nesse sentido, a especialista ambiental Nádia Lima vem estudando como a dinâmica climática vem impactando os manguezais do sistema Costeiro Cananéia-Iguape. Em seu pós-doutorado, busca mapear e analisar a dinâmica de clareiras nos manguezais oriunda de eventos climáticos extremos incidentes nesse trecho costeiro. Trata-se da região que abriga o manguezal mais conservado do litoral paulista e que faz parte de um contínuo desse ecossistema que avança até o estado do Paraná.

“Para localização das áreas impactadas, partimos primeiro da experiência que nosso grupo de pesquisa tem nesse setor costeiro, identificando áreas que já tínhamos certeza da abertura de clareiras na floresta, seja pela queda de raios ou pelo impacto de tempestades. Depois, com imagens de satélite, definimos o período de 2009 a 2021 para mapear a distribuição temporal e espacial das clareiras. Selecionamos alguns tipos de clareiras para verificar em campo sua localização, tamanho e avaliar sua etapa de recuperação. Posteriormente, para complementar essa análise foram utilizadas imagens de satélites de alta resolução para o cálculo de índices de vegetação, que são derivados dessas imagens feitos por modelagem matemática e que nos dão indícios sobre a saúde do ecossistema e se eles estão ou não se recuperando. Além disso, a ideia é identificar e caracterizar os eventos climáticos que impactaram o manguezal e deram origem a essas clareiras. Eventos climáticos acontecem sempre e são originários de situações na atmosfera que potencializam sua formação, seja pela passagem de um frente fria ou formação de um ciclone, entre outras situações. Assim, buscamos compreender esses eventos climáticos quanto a sua origem (o que causou a tempestade) e qual a sua intensidade, até para compreendermos se trata-se mesmo de um evento extremo que pode até ser mais frequente por conta das alterações climáticas”, explica.

A pesquisa de pós-doutorado tem supervisão do professor Luis Américo Conti, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP) e também conta com a participação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) de Registro, do Departamento de Geografia da USP e do apoio logístico da Fundação Florestal. Além de subsidiar propostas de enfrentamento aos impactos naturais em manguezais, o estudo deverá contribuir com o entendimento da capacidade de resistência e resiliência dos manguezais. Os resultados serão publicados em breve.

Trabalho contínuo para compreensão e proteção dos manguezais

Em pesquisa publicada em 2023 no periódico científico Atmosphere, que além de Nádia, conta com a participação do pesquisador científico do IPA Gustavo Armani, foram analisados os danos causados após uma forte tempestade nos mangues do Sistema Costeiro Cananéia-Iguape. O grupo de pesquisa do CNPq “Monitoramento Integrado de Manguezais”, coordenado pela professora e pesquisadora Marília Cunha Lignon, da Unesp de Registro, vem desde 2001 monitorando a estrutura de florestas de mangue e, desde 2008, faz o monitoramento microclimático dos manguezais na região, com a participação do Departamento de Geografia da USP. Em 2019, a floresta foi atingida por um intenso evento climático, que provocou desfolhamento e marcas nos troncos das árvores. Houve impactos catastróficos no manguezal, com mais de 90% de troncos mortos. Após três anos, a regeneração natural não ocorreu. A pesquisa indica que eventos climáticos extremos continuaram a ocorrer ao longo das costas, alterando drasticamente a paisagem, os manguezais têm sido afetados por esses eventos e, dependendo do estado de saúde das florestas, podem ter dificuldades de recuperação.

Em outro artigo científico, publicado em 2021 na revista Sociedade & Natureza, estudando a mesma região, a geógrafa do IPA e os outros autores constataram que os manguezais conservados em Unidades de Conservação (UCs) de Proteção Integral apresentam maior estabilidade térmica em termos de temperatura máxima, mínima e média do ar e a vegetação cumpre um melhor papel na redistribuição da energia dentro da floresta. O estudo indica, portanto, a importância dessas Áreas Protegidas na manutenção do bom estado de conservação dos manguezais e na estabilização do microclima.

Programa de Gestão Integrada de Manguezais

Na data de hoje, foi publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo uma portaria normativa (445/2024) da Fundação Florestal, órgão gestor das UCs paulistas, institui o Programa de Gestão Integrada de Manguezais, que abrange as Unidades de Conservação costeiro-marinhas. O Eixo 4 do programa trata de pesquisa e enfrentamento às mudanças climáticas, concentrando as ações de adaptação e mitigação climática, além da integração com a ciência. Seus objetivos específicos são a elaboração e estruturação de parcerias com a academia para embasar as tomadas de decisão da gestão em estudos científicos, garantindo que pesquisas sobre manguezais tenham respaldo prático e retorno para a sociedade, além do estabelecimento de ações e diretrizes para a atenuação de processos erosivos na vegetação de mangue, assim como para quaisquer outras ações de adaptação ou mitigação climática necessárias. Conforme o artigo 10º da normativa, a equipe técnica do programa poderá solicitar a colaboração de órgãos da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil), de outros órgãos estaduais, universidades, institutos de pesquisa e entidades do terceiro setor para, entre outras questões, auxiliar no desenvolvimento e aprimoramento de protocolos, contribuir fornecendo dados de pesquisas já realizadas e ajudar na busca de soluções e inovações tecnológicas.