14/05/2024

Foto: Imagem de LATUPEIRISSA por Pixabay

Fungos são conhecidos por serem utilizados na indústria de fármacos, alimentícia e cosmética. No entanto, sua importância para o ecossistema da Mata Atlântica, como decompositores de maneira geral, tem conquistado espaço em estudos de seu potencial em outras aplicações biotecnológicas.

Nesse contexto, um projeto de pesquisa do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) direcionou esforços para qualificar a identificação de novas espécies de fungos por intermédio de ferramentas moleculares. Os estudos também tiveram como objetivo preservar as coleções já existentes no herbário e a coleção de culturas sob responsabilidade da instituição. Desde o início do projeto, em 2017, foram identificadas e catalogadas mais de 100 espécies de macrofungos, das quais cerca de 20 são novas para a ciência.

“Os métodos usuais de morfologia ganharam impulso com o uso das ferramentas moleculares, o que nos permitiu realizar ainda mais coletas e desenvolver novas técnicas para a identificação das espécies”, explica Adriana Gugliotta, que é uma das coordenadoras da pesquisa e estuda fungos macroscópicos e espécies decompositoras de madeira.

O interesse do grupo de pesquisas voltou-se a um levantamento de dados mais abrangentes sobre a heterogeneidade biológica de fungos específicos e, simultaneamente, a ampliação da coleta, como explica Vera Vitali, participante do projeto e que atua na área de conservação da biodiversidade. Com a integração das coleções de culturas já existentes no herbário e o cruzamento de informações, é possível disponibilizar online metadados de qualidade, para subsidiar novos estudos em outras áreas, apoiar projetos de políticas públicas, a formação de novos recursos humanos e a extensão do conhecimento à própria comunidade científica.

As ferramentas moleculares para a extração de DNA (sequenciamento de genomas das espécies de fungos) adquiridas com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) seguem o princípio utilizado nos exames de PCR, realizados para o diagnóstico da Covid-19. No caso dos fungos, o processo é mais complexo, porque além de analisar a taxonomia das espécies, estabelece um comparativo com indivíduos similares para gerar um “código de barras”, que é único para cada grupo de espécies. A técnica conhecida como DNA barcoding (em analogia ao código de barras de produtos industrializados), consiste no sequenciamento de uma região padronizada do genoma, que tem variações específicas para cada espécie e, portanto, serve para identificá-las, assim como o código de barras identifica um produto. As informações são incluídas em bancos de dados internacionais, servindo como referência para a espécie e permitindo a comparação com amostras de outras regiões. “A cada código divulgado, ocorre um avanço para toda a comunidade científica, que poderá obter dados confiáveis e certificados nessa base de informações”, revela Adriana.

A coleção de culturas de basidiomicetos teve início com espécies comerciais de cogumelos comestíveis, na década de 1990, mas teve seu perfil modificado com o passar do tempo. Culturas de espécies nativas oriundas de pesquisas realizadas nos biomas Cerrado e Mata Atlântica foram depositados na coleção por especialistas. Dessa forma, a coleção possui uma quantidade e qualidade de dados que permitem aos pesquisadores iniciar o processo de catalogação de espécies de fungos. “Com a adoção de novas técnicas, nos tornamos um ponto de referência e acesso para pesquisadores de todo o país, senão de outros continentes”, ressalta Vera.

O aporte financeiro realizado pela agência fomentadora permitiu não só a aquisição de novos equipamentos e de materiais necessários ao sequenciamento genético, como também promoveu a reforma da sala da coleção de cultura de basidiomicetos e a suplementação dos aparelhos de ar condicionado. Com os recursos da Fapesp, foi possível ainda modernizar técnicas já utilizadas e conceder certificação às espécies em cultura pura, com alto potencial de aplicabilidade para diversos setores produtivos.

As pesquisadoras explicam que a quantidade de fungos existentes no Brasil ainda é desconhecida. À medida que as descobertas, as identificações, os inventários e as certificações geram bases de dados, é possível desenvolver modelos preditivos sobre possíveis impactos ambientais, com o objetivo de apoiar importantes decisões no âmbito das políticas públicas para uso e conservação da biodiversidade e na ampliação das possibilidades de inovação, tanto na indústria, como na própria pesquisa.

A pesquisa teve enfoque principal na área do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo, área verde que cerca as regiões Metropolitanas de São Paulo e da Baixada Santista. Outro propósito do trabalho foi contribuir com a sensibilização e o envolvimento da comunidade local para proteção das áreas estudadas, como é o caso do município de Juquitiba. “Temos como meta desenvolver um guia de identificação das espécies e vivências com os moradores, para mostrar o papel dos fungos na natureza, como seu uso pode ser feito de maneira sustentável e como a região tem potencial para o ecoturismo”, relata Adriana.

Ainda entre os diferenciais do estudo, destaca-se a formação de recursos humanos em equipes multidisciplinares, destacando ao mercado, profissionais capacitados para atuarem na área da educação ambiental, desenvolverem pesquisas científicas, além de serem importantes formuladores de políticas públicas e de soluções à sociedade em seus diversos setores. No âmbito do projeto, foi possível orientar dois doutorandos, dois mestrandos e ainda criar uma rede colaborativa, com pesquisadores associados de outras instituições nacionais e internacionais.

A pesquisa “Diagnóstico da biodiversidade e qualificação de coleções botânicas” propiciou a ampliação das coleções de fungos existentes no país e foi financiada pela Fapesp, no âmbito do projeto “Desafios para conservação da biodiversidade frente a mudanças climáticas, poluição e uso e ocupação do solo” (Processo Fapesp nº 2017/50341-0).