
01/04/2024
A partir do questionamento sobre como o ecossistema da Mata Atlântica reagirá diante de mudanças climáticas no estado de São Paulo e considerando a elevação da temperatura nas próximas décadas, o Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) desenvolveu um estudo de modelagem preditiva para espécies de plantas das famílias Euphorbiaceae e Phyllanthaceae, baseado na análise da distribuição geográfica atual e previsões climáticas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
“Os dados de ocorrência obtidos no herbário Maria Eneyda Pacheco Kauffmann Fidalgo (Herbário SP) foram o diferencial para a execução da pesquisa”, explica a pesquisadora científica do IPA Inês Cordeiro, que trabalha com taxonomia de angiospermas há mais de três décadas. Graças à validação da identificação das amostras, foi possível prever como a distribuição de espécies poderá ser alterada com base em mudanças de temperatura e pluviosidade inferidas para 2050 e 2070.
A pesquisa indica quadros de atenção para várias das espécies estudadas que são encontradas em matas úmidas da Serra do Mar ou mais secas, como as da Serra do Japi.
Com a elevação da temperatura e diminuição da pluviosidade, espécies de florestas mais secas ou vegetações mais abertas do domínio do Cerrado, atualmente presentes no interior do estado de São Paulo, poderão expandir sua distribuição em direção à costa. “Ao mesmo tempo, espécies características de matas úmidas no planalto poderão retrair sua distribuição”, observa o professor da Universidade de São Paulo (USP) Otávio Luís Marques, que desenvolveu este estudo como um pós-doutoramento no IPA.
Pelos estudos, um possível avanço do Cerrado em direção às encostas da Mata Atlântica se daria pela aridificação destas regiões, o que não se restringe às espécies analisadas neste estudo, mas também vem sendo inferido para outros grupos de plantas e animais.
Em contrapartida, no planalto paulista, principalmente na região da Serra do Mar, os pesquisadores identificaram áreas de maior resiliência, nas quais ainda haverá condições climaticamente favoráveis para a permanência de espécies típicas de mata úmidas, mesmo com o aumento de temperatura e a redução de pluviosidade esperadas com as Mudanças Climáticas.
Neste sentido, um aspecto destacado pelo estudo é a importância da conservação de áreas protegidas, como a Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba e o Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, onde a unidade Jardim Botânico do IPA está localizada, que proveem fundamentais serviços ecossistêmicos, amenizando os cenários climáticos extremos, e ainda são refúgios para espécies raras e restritas que ocorrem na Região Metropolitana de São Paulo.
Coleções digitais
O apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) ao projeto permitiu um salto no processo de digitalização das famílias estudadas, assim como de outras coleções do maior herbário do estado de São Paulo e terceiro do Brasil. Somente de Euphorbiaceae, foram fotografadas mais de doze mil amostras que hoje estão disponibilizadas na rede speciesLink, totalmente aberta ao público.
A iniciativa permitiu ao grupo de pesquisas acelerar o processo de digitalização dos registros que se encontrava incompleto, e foi realizado integralmente por especialistas dedicados a esta importante etapa das investigações em taxonomia. Com todos os registros validados quanto à identificação das espécies, este trabalho tornou-se um novo marco na qualidade dos dados disponíveis para diferentes áreas do conhecimento e importante ferramenta para a elaboração de políticas públicas no estado de São Paulo.
Essas informações também foram de grande importância para o catálogo on-line “Flora e Funga do Brasil”, uma plataforma colaborativa entre pesquisadores e instituições de pesquisa públicas e privadas, nacionais e internacionais, pela disponibilização dos dados para outros especialistas, além de auxiliar na democratização do acesso às listas de plantas e fungos existentes em todo o país.
A pesquisa, “Explorando o impacto de mudanças climáticas na Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da cidade de São Paulo através de modelagem preditiva com espécies de Euphorbiaceae” foi financiada pela Fapesp, no âmbito do projeto “Desafios para conservação da biodiversidade frente às Mudanças Climáticas, poluição e uso e ocupação do solo” (Proc. FAPESP 2017/50341-0).
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