
20/12/2023
A certificação de espécies com sequenciamento genético possibilita um melhor conhecimento da flora estabelecida e auxilia na preservação da biodiversidade
Pesquisadores do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) obtiveram avanços significativos no processo de certificação dos espécimes que compõem a flora brasileira por meio de sequenciamento genético. As novas informações passam a integrar dados da coleção permanente da biota marinha de um dos herbários da instituição e ficam disponíveis a cientistas de todo o mundo em um banco de dados de sequências de DNA.
Em pesquisa financiada pela pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o ponto inicial da investigação partiu da lacuna na definição taxonômica de espécies, em um grande volume de dados, acumulados ao longo de mais de cinco décadas de pesquisas. Havia a necessidade de reduzir incertezas e atualizar informações já existentes, tanto em relação à identificação de espécies de algas marinhas bentônicas do Herbário Maria Eneyda Pacheco Kauffmann Fidalgo (Herbário SP), localizado na unidade Jardim Botânico do IPA, quanto à distribuição geográfica atual destas espécies.
Neste estudo foi utilizada uma técnica de sequenciamento genético conhecida como DNA barcoding (em analogia ao código de barras de produtos industrializados), que consiste em sequência de uma região padronizada do genoma, que tem variações específicas para cada espécie e, portanto, serve para identificá-las, assim como o código de barras identifica um produto. As informações são incluídas em bancos de dados internacionais, servindo como referência para a espécie e permitindo a comparação com amostras de outras regiões.
Os pesquisadores retornaram aos locais de coleta dos espécimes tipo depositados no herbário para coletar novas amostras, analisar a morfologia, extrair DNA e prosseguir com o protocolo de sequenciamento. Como resultado, temos espécies da coleção de macroalgas do Herbário SP identificadas com base nas características morfológicas e certificadas molecularmente, além do registro da distribuição geográfica dessas espécies ao longo da área de estudo.
O projeto mostrou a importância de aliar marcadores moleculares às características morfológicas já utilizadas para identificação taxonômica, pois muitos epítetos específicos aplicados aos táxons identificados com base somente na morfologia em nosso país estão sendo alterados, indicando que a ficoflora estabelecida aqui é diferente do que se pensava no passado.
De acordo a pesquisadora Mutue Fujii, responsável pelo estudo, uma das maiores contribuições promovidas pelo grupo de pesquisas é estender à sociedade informações sobre a importância da preservação das algas marinhas.
Outro ponto importante da pesquisa reside na possibilidade de formar profissionais especializados capazes de integrarem equipes científicas multidisciplinares, de contribuírem para a tomada de decisão em políticas públicas e de atuarem no ensino e na educação ambiental. Segundo a pesquisadora, somente em seu grupo, foi possível formar mais de uma dezena de alunos entre graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado.
Alterações climáticas em curso
As pesquisas também envolveram experimentos ecofisiológicos para investigar como as algas reagem a pulsos de calor, simulando, em ambiente controlado, dias de aquecimento intenso, considerando os cenários previstos pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) para os próximos 100 anos.
O estudo identificou que há populações de algas da mesma espécie que toleram diferentemente as alterações das condições climáticas. As populações do nordeste brasileiro já se encontram no seu limite de tolerância à temperatura e o aquecimento poderá provocar a sua extinção.
É importante destacar que a alteração dos ambientes marinhos por poluição, seja por esgoto, resíduos urbanos, industriais ou de defensivos agrícolas carregados pelos rios até os oceanos, por vazamentos de óleo ou outras atividades também é preocupante.
Os resultados podem servir como base para o planejamento ambiental e para proteger a biodiversidade. “É preciso compreender que as algas têm função ecológica e papel ecossistêmico muito importante. Elas podem, de fato, indicar cenários de alterações nas costas litorâneas”, assinala a pesquisadora.
A pesquisa faz parte do módulo “Diagnóstico da biodiversidade e qualificação de coleções botânicas” do projeto “Desafios para conservação da biodiversidade frente às mudanças climáticas, poluição e uso e ocupação do solo”, financiado pela Fapesp (Processo Fapesp nº 2017/50341-0).
Foto: Hypnea spinella / Crédito: itocarol