
13/09/2023
A geóloga Claudia Varnier, pesquisadora científica do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), foi uma das entrevistadas de matéria sobre contaminação de aquíferos veiculada na Revista Sustentabilidade, do jornal Valor Econômico. Doutora em Hidrogeologia, faz parte do grupo de pesquisadores do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas da Universidade de São Paulo (Cepas-USP). Suas principais áreas de atuação compreendem hidrogeoquímica, contaminação de solo e águas subterrâneas, uso de isótopos estáveis em hidrogeologia e vulnerabilidade de aquíferos.
Na reportagem, a pesquisadora alerta para a grave situação do Sistema Aquífero de Bauru e para a possibilidade de contaminações em outras áreas do estado. Claudia aponta ainda a preocupação com o nitrato, contaminante de maior ocorrência em aquíferos do mundo inteiro e que demora mais de 100 anos para ser eliminado da natureza.
Veja abaixo o texto completo da matéria:
Contaminação nos aquíferos
Falta de manutenção das redes e vazamento de esgotos comprometem as reservas naturais, responsáveis pela regularização de outros corpos hídricos
Assim como no mundo, o uso das águas subterrâneas está crescendo no país. As supercaixas d’água que regularizam outros corpos hídricos, com os rios, são cruciais para o alcance das metas ambientais da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Cientistas alertam para a falta de dados sobre a situação dessas reservas naturais, porque o Brasil possui duas entre as maiores do planeta: os sistemas aquíferos Grande Amazônia (Saga) e Guarani.
“O que mais me preocupa é o amplo desconhecimento tanto das ameaças quanto das oportunidades. Essa é uma agenda que não mobiliza a sociedade”, diz Ricardo Hirata, professor do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas (Cepas), da Universidade de São Paulo (USP). Conforme estudo recente da instituição, a contaminação dos aquíferos sob áreas urbanas por vazamentos das redes de esgoto, aliada à falta de saneamento básico, é um problema.
O Sistema Aquífero Bauru (SAB), fonte de abastecimento de várias cidades do centro-oeste paulista, apresenta o maior número de registros de contaminação. “O aumento nas concentrações de nitrato tem sido sistemático, afetando cidades como Marília, Bauru, Presidente Prudente, São José do Rio Preto e Urânia, há décadas. A contaminação também pode estar acontecendo em outras áreas no Estado”, afirma Claudia Varnier, coordenadora do Grupo de Trabalho Nitrato, do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CTAS/CRH) e pesquisadora do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA/Semil).
Segundo ela, a falta de manutenção das redes e as fugas de esgoto são as principais fontes de contaminação, inclusive de poços de abastecimento público. Quanto às áreas rurais, faltam dados. “O nitrato preocupa, porque é muito móvel e as plumas contaminantes podem atingir áreas extensas. Estudos do Cepas mostram que são necessários mais de 100 anos para eliminá-lo da natureza, considerando que as fontes cessem.”
Contaminante de maior ocorrência em aquíferos do mundo inteiro, o nitrato em concentrações superiores ao padrão de potabilidade pode causar metemoglobinemia (síndrome do bebê azul), alguns tipos de câncer e doenças no sistema reprodutivo, se ingerido, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS). Para mitigar a poluição, Varnier recomenda, entre outras medidas, o cadastro do poço junto ao órgão outorgante, obrigatório por lei. Porém, mais de 88% dos poços tubulares são clandestinos país afora, e os estudiosos insistem que a criação de programas de comunicação social é fundamental para incentivar a população a regularizá-los e monitorá-los.
Em Natal (RN), onde 78% da população não tem acesso à coleta do esgoto, a contaminação acontece desde a década de 1980. Por volta de 1,5 mil poços tubulares abastecem os moradores e a contaminação chega a atingir 70% deles, na porção norte da cidade, operados pela Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern). Os níveis elevados historicamente tornaram a água não potável. Em nota, a empresa informa que dilui as águas subterrâneas em águas limpas, provenientes de fontes superficiais, para reduzir o teor do contaminante. Além disso, anunciou a entrada em operação do esgotamento sanitário na zona norte para 2024 e admitiu que o descarte inadequado dos dejetos humanos continua atingindo o lençol freático.
A superexploração desses recursos é outra ameaça. No Ceará, um projeto de pesquisa está investigando características de dois aquíferos estratégicos para a segurança hídrica no Estado: o Jandaíra e o Açu. O monitoramento inovador com isótopos ambientais, por meio de datação de carbono 14, irá ajudar a formular políticas públicas conservacionistas. A idade e o comportamento de recarga das reservas nas regiões do Cariri e Apodi estão sendo analisados por meio de 60 poços abertos pelos cientistas. Uma das preocupações é com o abastecimento do Cariri, região dependente da água subterrânea.
“Precisamos pesquisar, porque a demanda só aumenta. As festas religiosas atraem muita gente”, diz a hidrogeóloga Zulene Almada, gerente de projetos da Companhia de Gestão de Recursos Hídricos (COGERH). Com 13 municípios do Cariri abastecidos exclusivamente por aquíferos, o projeto detectou rebaixamento de um metro, em algumas localidades, em função do superbombeamento por poços tubulares. “No Apodi, a demanda principal é para irrigação de frutíferas. A intenção é avançar com os estudos para conhecer mais porque, na verdade, sabemos pouco.”
Em Ribeirão Preto (SP), a abertura de novos poços encontra-se restrita por uma deliberação do Conselho Estadual de Recursos Hídricos desde 2006. A cidade é abastecida por 120 poços que extraem água do Guarani 24 horas por dia. Um rebaixamento de cerca de 60 metros, no formato de um cone invertido, continua afetando o aquífero na área central da cidade. “Antigamente, era uma farra. Qualquer um abria um poço com facilidade. Conforme alguns estudos começaram a revelar o abuso, debatemos no comitê de bacia que decidiu propor zonas de restrição. Não virou lei, mas a norma pegou e chegou a embasar sentenças judiciais. Ficou muito mais difícil perfurar”, diz Carlos Alencastre, engenheiro civil e ex-diretor do Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), que estuda o Guarani há décadas.
Para ele, reduzir desperdícios e diversificar o abastecimento com fontes superficiais minimizaria o risco de uma crise. Atualmente, as perdas na distribuição em Ribeirão Preto chegam a 47%, segundo o Instituto Trata Brasil. “Em alguns países, como o Japão, 5% de perda é algo grave. Aqui nos confortamos com 20%, mas isso é rasgar dinheiro. Extraímos um recurso valioso, de 40 mil anos de idade, para jogá-lo fora. Precisamos corrigir a pressão excessiva em certos pontos da rede e fazer campanhas de uso consciente da água.”
Os sistemas Guarani e Bauru serão foco de financiamento do governo paulista, que provisionou R$ 20 milhões por ano para monitoramento das águas no Estado. São Paulo implantou, em 2018, um sistema automatizado de regularização de poços e viu os pedidos por outorga triplicarem. Conforme a Superintendência do Daee, o abastecimento doméstico (condomínios residenciais) é o maior demandante hoje. O Estado é o que mais depende das águas subterrâneas para uso urbano no país.
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