
21/08/2023
Os indivíduos de uma mesma espécie possuem diferenças ou variações. Isso inclui uma série de características, como aparência física, comportamento, fisiologia e genética, que podem variar de um indivíduo para outro dentro de uma população. O desmatamento promove mudanças na estrutura e na diversidade de espécies de matas ciliares de áreas cultivadas. Uma pesquisa realizada no município de Querência/MT, em uma fazenda no sul da Amazônia com o histórico de 42 anos de mudanças no uso e cobertura da terra, avaliou se as características funcionais das comunidades de matas ciliares também mudaram em resposta a essas mudanças e à fragmentação. O resultado mostrou que espécies florestais com maior variabilidade intraespecífica das características funcionais são mais propensas a persistir em ambientes modificados.
A pesquisadora científica Giselda Durigan, do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), é uma das autoras do estudo. Ela explica que embora fosse teoricamente esperado que as espécies com maior variabilidade intraespecífica das características funcionais fossem mais propensas a persistir em ambientes modificados, isso ainda precisava de comprovação. E os resultados trazem essa comprovação. Para se chegar a esses resultados, foram comparadas as características funcionais de 123 espécies que ocorrem em bacias hidrográficas sem evidência de perturbação recente (floresta) e bacias hidrográficas cobertas por terras de cultivo (lavoura), algumas ocorrendo em ambos os ambientes e outras restritas a um ou a outro. Foram amostradas características como altura máxima da árvore, densidade da madeira, espessuras da casca e da folha, área foliar e concentrações foliares de nutrientes (fósforo, potássio, nitrogênio, carbono, cálcio e magnésio).
Conforme o texto do artigo, os autores descobriram que “seis das doze características funcionais medidas no estudo diferiram significativamente entre as matas ciliares em bacias florestais e as matas ciliares em bacias de cultivo quando consideradas todas as espécies amostradas” e que “as mudanças nas características funcionais na fronteira agrícola da Amazônia foram principalmente associadas com maior variabilidade intraespecífica de espécies que ocorrem tanto em áreas florestais quanto em áreas de cultivo do que em espécies exclusivas de um doas ambientes. Essa alta variabilidade intraespecífica pode explicar a persistência de algumas espécies de árvores em matas ciliares em ambientes altamente perturbados.”
Além disso, “as espécies de árvores ribeirinhas comuns a ambas as bacias (florestais e de cultivo) mostraram alta variabilidade intraespecífica.” A espessura foliar e a concentração foliar de fósforo foram as características que mais variaram. “Para sete das doze características funcionais estudadas, as espécies generalistas (que ocorreram nos dois ambientes) tiveram maior variação intraespecífica do que as especialistas específicas de um ou de outro ambiente.” Por outro lado, quase todas as características funcionais das árvores foram surpreendentemente semelhantes para espécies arbóreas que ocorreram nos dois ambientes. O resultado “levanta a possibilidade de grandes reduções no tamanho da população para especialistas em habitats ocorrendo em florestas ribeirinhas ou em bacias de cultivo, com o potencial de diminuição da riqueza.”
Novas pesquisas sobre as características funcionais de espécies e comunidades podem aumentar o conhecimento sobre as restrições para o estabelecimento e sobrevivência de espécies nessas paisagens degradadas e subsidiar melhores estratégias de recuperação dos ecossistemas que foram convertidos. “Os resultados indicam claramente que a escolha de espécies com maior plasticidade ecológica e variabilidade genética aumenta as chances de sucesso de plantios de restauração”, pontua Giselda.
Os resultados da pesquisa indicaram novos insights sobre como a mudança no uso da terra reduz a qualidade dos serviços ecossistêmicos cruciais fornecidos pelas florestas ribeirinhas, como armazenamento de carbono e evapotranspiração. Perguntada se essa e outras conclusões do estudo poderiam ser transpostas para outros biomas, como Cerrado e Mata Atlântica, Giselda pondera: “Não é tão simples assim. Tudo vai depender do uso da terra que substituirá a vegetação retirada. Se a vegetação cultivada na matriz for estruturalmente semelhante à que foi removida, não devem ocorrer grandes mudanças. Ou seja, para a Mata Atlântica, se o desmatamento for seguido por agricultura ou pecuária, os impactos serão muito semelhantes aos observados no caso deste estudo na Amazônia. Porém, se a floresta for substituída por silvicultura ou seringal, não é de se esperar que ocorram mudanças significativas na composição e processos ecológicos da mata ciliar remanescente. Para o Cerrado ocorre o contrário: se a substituição da vegetação nativa (savana, uma vegetação aberta) for por pastagem ou agricultura, não ocorrem mudanças significativas na composição e funcionamento do ecossistema (comprovado por estudo que publicamos em 2015). Porém, se a matriz for ocupada por plantações de pinus e eucalipto, profundas transformações negativas tendem a ocorrer no Cerrado”, conclui a pesquisadora.
O artigo científico Intraspecific trait variability facilitates tree species persistence along riparian forest edges in Southern Amazonia foi publicado no periódico Scientific reports neste mês de agosto. A pesquisa é resultante da tese de doutorado de Leonardo Maracahipes dos Santos, que foi coorientado virtualmente por Giselda durante o período da pandemia de Covid-19. A pesquisa foi vinculada ao projeto de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD), ao qual Giselda é associada. O projeto é coordenado por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), envolve algumas instituições internacionais e é parcialmente financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
No vídeo abaixo, Paulo Monteiro Brando, um dos autores do estudo, fala sobre a importância das pesquisas ecológicas de longa duração e do trabalho realizado na fazenda Tanguro.
Imagem: Localização das comunidades de árvores em matas ciliares em bacias florestais (círculo verde) e matas ciliares em bacias de cultivo (círculo laranja); à direita: exemplo de um transecto de floresta ribeirinha em bacias hidrográficas de cultivo (em cima) e um transecto de floresta ribeirinha em bacias florestais (abaixo)
Texto: Núcleo de Divulgação Científica / IPA
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