
14/07/2023
Pesquisa realizada no município de Águas de Santa Bárbara identifica campos com murundus pela primeira vez no estado de São Paulo. Também conhecido como campos com cupinzeiros, são um tipo de vegetação de Cerrado, caracterizada pelos montes de terra cobertos por plantas lenhosas e campos sazonalmente alagados, que promove a diversificação de habitats e serve de refúgio para a fauna. O estudo realizado na Estação Ecológica de Santa Bárbara dá subsídios à restauração ecológica e mostra a importância das Unidades de Conservação para a pesquisa científica e para a proteção da biodiversidade.
Conforme o texto do artigo científico, publicado na revista científica Biota Neotropica, os campos com murundus só aparecem nos mapas quando possuem grandes extensões, o que dificulta a preservação desses ecossistemas, que costumam ocupar pequenas áreas, como a de 3,5 hectares do estudo. Além disso, apesar de sua relevância ecológica, esse tipo de vegetação ainda não está devidamente protegido por lei, não sendo sequer mencionado no Código Florestal de 2012 (Lei nº 12.651).
O estudo teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O artigo tem autoria de duas pesquisadoras do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) e três da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), uma delas ex-bolsista de iniciação científica do antigo Instituto Florestal.
Primeiro registro no estado de São Paulo
No Brasil, esse tipo de vegetação já foi registrado em vários estados: Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Rondônia e Roraima. A ocorrência de savanas com cupinzeiros na América do Sul tem sido observada principalmente em regiões tropicais, em latitudes menores que 15 graus, o que a princípio associava essa vegetação a climas quentes. No entanto, a pesquisa revela uma mancha de campo com murundus na latitude 22°47’22” S, a primeira ao sul do paralelo 21 S. Esse registro no estado de São Paulo, distante dos outros no Brasil, indica que as condições climáticas, hidrológicas e de solo que permitem sua existência é mais ampla do que se pensava. Assim, é possível que existam outras manchas no estado ou em outros lugares a serem descobertas.
No estudo, as pesquisadoras também apontam a possibilidade de que tenham existido mais campos de murundus no passado, mas que tenham sido destruídos por conta de uma percepção generalizada por parte dos proprietários de terras de que os cupins são uma praga agrícola. “Uma análise acurada de imagens históricas do interior do estado de São Paulo após a descoberta desse pequeno campo com murundus mostrou que já existiram outros, que foram destruídos e o terreno drenado e nivelado com máquinas agrícolas”, comenta a engenheira florestal Giselda Durigan, do IPA, em entrevista à revista Pesquisa Fapesp. “No entanto, os cupins dos campos com murundus são exclusivos desses locais alagadiços e não oferecem ameaça às plantações.”
A Estação Ecológica de Santa Bárbara abriga um mosaico de tipos de vegetação, incluindo florestas, cerrados e campos (secos e úmidos) perto da borda sul da região do Cerrado no estado de São Paulo. A pequena mancha de campo com murundus desta pesquisa pode ser observada em fotografias aéreas do ano de 1962, quando o local era uma fazenda de gado. Em 1964, a área foi desapropriada e se tornou floresta de produção e as plantações de pinus substituíram a vegetação nativa. Em 1984, foi criada a Estação Ecológica. O processo de invasão por pinus impossibilitou a observação dos montes de terra por um longo período. Houve uma intervenção para controlar a invasão em 2013 com corte raso das árvores adultas e em 2016 com aplicação de fogo controlado. A restauração foi bem sucedida e as plantas lenhosas no topo dos murundus e a cobertura gramada ao redor deles foram rapidamente recuperadas. Durante a pesquisa, nem mesmo um único indivíduo de pinus foi observado no campo com murundus na ocasião da amostragem.
O conhecimento sobre a estrutura e funcionamento dos campos e savanas tropicais é escasso em comparação com as florestas. Além disso, esses ecossistemas abertos têm sido altamente ameaçados. Embora negligenciados, são considerados de significativa importância ambiental, econômica e cultural, uma vez que são responsáveis por serviços ecossistêmicos essenciais, como abastecimento de água, armazenamento de carbono e abrigo para polinizadores e animais silvestres.
“No Pantanal do rio Araguaia [corta os estados de Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Pará], as extensas áreas de campos com murundus são refúgios importantes para o gado e para animais silvestres como a onça”, informou a botânica do IPA Natalia Ivanauskas à Pesquisa Fapesp.
Desafios para a restauração
O Cerrado forma um mosaico paisagístico com distintas fitofisionomias condicionadas por complexas relações entre fatores ambientais e de perturbação. Os campos com murundus são caracterizados pela ocorrência de montes de terra cobertos por plantas lenhosas, associados a cupins e campos sazonalmente alagados, sendo incluídos entre as áreas úmidas brasileiras. Os montes de terra funcionam como ilhas bem drenadas, abrigando espécies endêmicas do Cerrado que não são tolerantes a inundações. As espécies vegetais encontradas no topo dos cupinzeiros e as encontradas ao redor possuem diferenças florísticas e estruturais. O alagamento é o principal fator que influencia a ocorrência de espécies lenhosas e não lenhosas no topo dos murundus.
No estudo, foram registradas 64 espécies de plantas, sendo 59 no topo dos cupinzeiros. No texto do artigo, as autoras ponderam que, ao amostrar apenas as plantas lenhosas nos montes, que são principalmente intolerantes ao encharcamento, a biodiversidade de todo o ecossistema será subestimada (tanto para plantas quanto para animais e microorganismos). Se os montes e área a alagada do entorno têm biotas distintas, são necessários conjuntos separados de espécies para recuperar a vegetação nativa dos campos de murundus. Por isso a importância deste tipo de pesquisa científica para ampliar o conhecimento e as informações sobre os ecossistemas e com isso subsidiar o aprimoramento dos processos de restauração dessa vegetação.
Foto: Cupinzeiro cercado por ervas, arbustos e árvores na Estação Ecológica de Santa Bárbara / Crédito da imagem: Bruna Helena de Campos/Unicamp