
14/06/2023
Crédito da foto: Kirill Egorov
O pesquisador científico do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) José Antonio Ferrari integrou a equipe que descobriu uma rede de dutos subterrâneos com grande movimentação de água no município de Nobres, estado do Mato Grosso. A expedição ocorreu entre os dias 1 e 8 de junho de 2023 e é resultado do trabalho conjunto de uma equipe de representantes de diferentes instituições, entre eles geólogos, arqueólogos e pesquisadores de diversas áreas, bem como profissionais especializados em mergulho em cavernas. Os estudos utilizados para mapear e compreender os processos de formação desses dutos possibilitarão inferir estruturas semelhantes em outros locais. O achado também fornece subsídios para o manejo do “Parque Estadual Gruta da Lagoa Azul“.
O objetivo da expedição foi coletar espeleotemas submersos para estudos paleoclimáticos e levantar informações para formular modelos conceituais dos aquíferos cársticos onde estão inseridas as cavernas exploradas. A paleoclimatologia estuda as variações climáticas ao longo da história da Terra. Espeleotemas são formações rochosas diversas que ocorrem no interior das cavernas (por exemplo, estalactites). “Durante a expedição, fui o responsável por catalogar os espeleotemas coletados e levantar informações para a formulação de modelos conceituais preliminares da circulação da água subterrânea na região”, relata Ferrari.
“No aquífero cárstico, a água pode ficar armazenada em poros, fraturas e condutos. Quando as cavernas não são inundadas, o pesquisador consegue percorrer os condutos subterrâneos e investigar a dinâmica do fluxo atual e como ocorreu a evolução da rede de condutos. Em cavernas alagadas a situação é mais complicada. O mergulho em cavernas é uma atividade muito técnica. Exige longo tempo de treinamento e prática constante. A logística é complexa e de alto custo. Quando um grupo de pesquisas tem a chance de trabalhar em conjunto com uma equipe de alto nível como a Global Underwater Explorers (GUE), os ganhos são muito grandes, os mergulhos trazem informações inéditas que não seriam obtidas no trabalho de campo convencional,” explica o pesquisador do IPA. Doutor em geofísica, Ferrari esclarece que os locais já eram conhecidos, mas foi a primeira vez que os mergulhos chegaram a profundidades superiores a 100 metros. Assim, passagens inéditas foram descobertas. “Trata-se de uma expedição exploratória, foi o primeiro contato com a região”, complementa.
Os mergulhos foram coordenados por Sérgio Rhein Schirato, representante brasileiro da GUE, entidade sem fins lucrativos dedicada à exploração e documentação de recursos aquáticos para proteção ambiental e educacional em todas as partes do mundo e contou com a participação dos mergulhadores: Jarrod Jablonski, Kirill Egorov e Alexandre Jardim, da GUE, e Rodrigo Elias Oliveira, do Laboratório de Arqueologia, Antropologia Ambiental e Evolutiva do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/USP), que prospectou a ocorrência de sítios arqueológicos.
Jablonski, presidente da GUE, é espeleomergulhador muito experiente, com atividades em diversos lugares do mundo e ficou surpreendido com o tamanho dos condutos encontrados, alguns tão grandes que não foi possível dimensionar a largura e a altura as passagens. “Eu tenho mergulhado por cerca de 30 anos. Em todos os anos em que tenho mergulhado, essa é uma das maiores, talvez a maior câmara que eu já vi. Realmente espetacular. Foi fascinante descobrir essas passagens onde ninguém esteve antes, mas isso traz consigo a responsabilidade de compilar dados e informações, necessários e fundamentais para a proteção desse ambiente tão frágil”, comenta o mergulhador.
Achado de grande relevância para a ciência e para a conservação
Considerando o que foi observado até agora, é possível que o mapeamento completo do sistema de condutos leve alguns anos. O relato de Jablonski indica a ocorrência de rotas de fluxo com dimensões inéditas na literatura e isso demandará estudos para entender o conjunto de processos que levam a formação destas feições. No futuro, os modelos estabelecidos para a região permitirão inferir estruturas semelhantes em outros locais com contexto geológico geomorfológico semelhante.
As informações obtidas na exploração contribuirão para o mapeamento da circulação das águas subterrâneas na região. “Precisamos entender como esses sistemas subaquáticos estão conectados, como abastecem nascentes e outras dolinas porque, uma vez que alguma área é impactada, os efeitos serão sentidos em outras regiões também, já que tudo está interligado”, defende Schirato.
Para Ferrari, as descobertas iniciais são muito interessantes. Segundo o pesquisador, estes estudos são fundamentais para o planejamento ambiental, uma vez que o aquífero cárstico é muito sensível à contaminação. “Um poluente que entra no sistema pode transitar por longas distâncias em muito pouco tempo. Por isso o planejamento hidrológico de uma região como essa é importante para a preservação ambiental”, argumenta.
As informações levantadas nesta expedição também contribuem para o manejo do “Parque Estadual Gruta da Lagoa Azul”, que está em fase de implantação. O parque não é contínuo e é formado por diferentes núcleos dispersos entre propriedades rurais. Neste contexto, conhecer as rotas de fluxo é fundamental tanto para a preservação dos atrativos do parque, quanto para a manutenção da qualidade das águas da região. Conhecer a topologia das rotas de fluxo é fundamental para o manejo adequado dos recursos hídricos.
A expedição faz parte do projeto: “Estudos paleoclimáticos e paleoambientais a partir de espeleotemas de cavernas das regiões cársticas do Brasil”, coordenado pelo professor Francisco William da Cruz, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc/USP). José Antonio Ferrari colabora com o Grupo de Pesquisas em Geologia de Terrenos Cársticos do IGc-USP desde sua fundação pelo Prof. Dr. Ivo Karmann. No Núcleo de Geociências do IPA, é o responsável pelo “Laboratório de Hidrossistemas Cársticos”, juntamente com o pesquisador científico Silvio Hiruma, somando longa experiência em estudos geomorfológicos e hidrológicos em regiões cársticas.
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