
20/04/2023
A descoberta de uma nova espécie na Amazônia Central é resultado da pesquisa de doutorado uma ex-aluna de mestrado do Instituto de Botânica, a bióloga Mayara Pastore. O estudo teve a participação da pesquisadora científica Rosângela Simão-Bianchini, do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA). Dicranostyles yrypoana é uma liana da família Convolvulaceae (mesma da batata-doce, embora não desenvolva a raiz tuberosa). A pesquisa teve como base materiais de herbário, já que a planta não é coletada na natureza desde a década de 1990 e se encontra em perigo de extinção. A descrição da espécie foi publicada em março no periódico científico Systematic Botany.
De São Paulo para a Amazônia
Rosângela, que é coorientadora no doutorado de Mayara, conta que elas trabalham juntas desde a iniciação científica. “Ela foi aluna de Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e fez o mestrado no Instituto de Botânica, mas tinha o sonho de trabalhar na floresta amazônica”, relata a pesquisadora, que era a única especialista em taxonomia de Convolvulaceae no Brasil quando Mayara iniciou seus estudos.

Rosângela à esquerda, Mayara e membros externos da banca de defesa do mestrado Andréa Onofre de Araújo (UFABC) e Priscila Porto Alegre Ferreira (UFRGS), em 2014
“Verificamos que dois gêneros de Convolvulaceae predominam na Floresta Amazônica (Dicranostyles e Maripa). Assim, ela prestou e passou no doutorado do Museu Paraense Emílio Goeldi com a Universidade Federal Rural da Amazônia“, relata Rosângela. Pedro Viana é o orientador em Belém/PA e a pesquisadora do IPA seguiu trabalhando com sua aluna na coorientação.
A doutoranda frequentemente retorna ao estado de São Paulo para visitar a família e trabalhar alguns dias no Herbário SP (localizado na Unidade Jardim Botânico do IPA), utilizando a coleção, a biblioteca e todos os equipamentos disponíveis para estudos taxonômicos. “Examinamos juntas todos os materiais de Dicranostyles e de Maripa da nossa coleção e a da Universidade de São Paulo (Herbário SPF)”, informa Rosângela. “Eu estive nos herbários do Rio de Janeiro (R e RB), de Manaus (INPA) e no de Belém (MG) onde examinei os materiais ali depositados. Posteriormente Mayara também os visitou. Esses herbários foram os mais importantes para o trabalho de descoberta da nova espécie, mas muitos outros foram visitados. Também estamos finalizando juntas um trabalho de Convolvulaceae para a Reserva Florestal Adolpho Ducke, em Manaus/AM, e uma das amostras de Dicranostyles yrypoana é proveniente desta Unidade de Conservação da Natureza. Agora, com a publicação descrição desta espécie, poderemos finalizar e publicar também esse outro trabalho”, expõe a pesquisadora do IPA. Ao todo, foram examinadas presencialmente amostras do gênero Dicranosytyles em 17 herbários, bem como imagens de outras coleções do Brasil e de outros países.
A pesquisadora explica que para se definir se uma espécie é nova, é essencial conhecer todas as outras espécies que ocorrem na região. “Como venho estudando Convolvulaceae desde 1986, consultei diversos herbários, muitas vezes eu não reconhecia a espécie e deixava o material como indeterminado. Isso já é uma indicação de que pode se tratar de uma espécie nova. Mayara analisou com muito mais cuidado cada material destes gêneros. Antes de finalizar a publicação, procurei na coleção SP se havia mais amostras ou duplicatas dessa espécie e não há. Juntas, consultamos uma quantidade suficiente de herbários e de materiais para dizer com certeza que a espécie ainda não era conhecida pela ciência”, explica Rosângela.
O estudo envolveu atores de diferentes instituições. “Com a ajuda de outros pesquisadores realizamos análises mais detalhadas, como os tricomas, o pólen e a elaboração do mapa”, relata Rosângela. A pesquisa de doutorado de Mayara também envolve o estudo evolutivo. Foi coletado material para análise genética em laboratório com o objetivo de entender as relações evolutivas entre essas espécies do gênero dentro da família. No processo de descrição da nova espécie, as análises dos grãos de pólen foram feitas no Laboratório de Micromorfologia Vegetal da Universidade Estadual de Feira de Santana e na Fundação Oswaldo Cruz, ambos na Bahia.
Espécie em perigo
A doutoranda conta que chegou a tentar coletar novas amostras da espécie recém-descoberta em campo, mas sem sucesso. “Fiz bastante coletas, fui até o local de coleta de um dos registros da espécie, mas não a encontramos na natureza. Essa planta ainda não foi reencontrada desde a década de 1990”, comenta Mayara.
Os espécimes de Dicranostyles yrypoana permaneceram depositados nos herbários com identificação duvidosa por no mínimo 60 anos, sendo que a espécie é conhecida de apenas três coletas: de 1956, em área atualmente urbanizada de Manaus, de 1969, em uma área degradada pelo agronegócio em Santarém/PA; e de 1995, na Reserva Florestal Adolpho Ducke.
Mayara explica que são necessários mais recursos para encontrar a planta e que provavelmente ela não foi mais re-coletada porque não foi procurada mais vezes. “Foram realizadas duas buscas em campo e essas plantas são difíceis de encontrar”, esclarece a doutoranda. “O gênero Dicranostyles é representado por lianas, que crescem na mata em árvores muito altas, por vezes é difícil de se coletar, e as encontramos através das flores ou frutos no chão, só então as procuramos nas copas. As flores são bem pequenas quando comparadas às maioria das outras espécies da família, mas o fruto é grande e duro”, complementa Rosângela.
A espécie recém-descoberta foi avaliada preliminarmente como Em Perigo (EN), conforme os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Essa classificação é determinada pelo fato dela ser conhecida apenas em dois lugares e por haver a perda de habitat e de sua extensão de ocorrência.
O nome científico da nova espécie refere-se a yripo, cipó na língua dos Sateré-Mawé. São povos originários da região de ocorrência da planta, divisa dos estados do Amazonas e do Pará, entre os rios Tapajós e Madeira, entre Manaus e Santarém. Denominados regionalmente como Mawés, protegem e vivem integrados à floresta desde tempos imemoriais.
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