
23/03/2023
Foto: Escorregamento próximo à Vila do Sahy em São Sebastião (SP), acervo NGGRMA/IPA
Recomposição das formações florestais visando à restauração de áreas de escorregamentos da Serra do Mar na região de São Sebastião (litoral paulista) por Luiz Mauro Barbosa
Escorregamentos da Serra do Mar aconteceram durante o verão de 1999/2000, provavelmente provocados por ocupações irregulares, chuvas localizadas e questões geológicas, incrementadas por ações de ocupação irregular das encostas e a duplicação da rodovia. Uma das áreas mais atingidas foi a Bacia do rio Cubatão, cujas águas são captadas para o abastecimento de toda a Baixada Santista. Nas proximidades do km 42 da Via Anchieta, ocorreram escorregamentos extensos, provocando a interdição da rodovia.
Na região de São Sebastião, em 2022/2023, inúmeros trechos se desestabilizaram e promoveram escorregamentos diversos. Medidas de recuperação e proteção dessa região precisam ser tomadas com urgência, para garantir, além da vida dos moradores, a segurança dos usuários da rodovia, o fornecimento de água à população e a conservação da diversidade biológica nas áreas afetadas. Estes temas têm sido amplamente discutidos por diversos segmentos da comunidade científica e tecnológica.
Para a Bacia do rio Cubatão, especialmente nas áreas de escorregamento da encosta, a Secretaria do Meio Ambiente, por meio de sua Coordenadoria de Informações Técnicas, Documentação e Pesquisa Ambiental coordenou um estudo emergencial sobre as áreas de risco e de proteção dos mananciais, incluindo um sobrevoo para documentar a situação real e identificar as principais áreas para recuperação vegetal.
As questões dos grupos temáticos, discutidas no workshop de São Sebastião, foram previamente apresentadas aos coordenadores que puderam sugerir acréscimos ou alterações, de forma a se obter o compromisso de, efetivamente, responder às questões formuladas. A discussão e as recomendações geradas pelos sete grupos de trabalho estão resumidas nesta publicação. Uma síntese foi elaborada pelo coordenador de cada grupo, escolhido por sua experiência de atuação no tema, tendo incluído, sempre que possível, as contribuições individuais dos diversos participantes. No final do Anais do workshop, foram sintetizadas as principais recomendações para recomposição das formações florestais, visando à restauração das áreas atingidas pelos escorregamentos.
Sobre as formações florestais costeiras, apesar de se observarem padrões dentro de cada estádio sucessional, a composição em espécies pode ser muito variável, dependendo da latitude, da cota em que ocorrer, dos fatores causais e da intensidade em que se deu a perturbação. O grupo de espécies dominantes que se estabelece nos estádios sucessionais cria ou está associado a um hábitat particular, no qual se desenvolve um grupo característico de espécies subordinadas. A sobreposição na distribuição de espécies dominantes e/ou subordinadas, dentro da comunidade, ocorre em intensidades geralmente diferentes. Vários trabalhos abordam aspectos sucessionais, em florestas tropicais, e são válidos até hoje.
Os processos sucessionais que ocorrem em trechos de floresta, ao longo da encosta atlântica, pela dinâmica natural da paisagem ou por ações antrópicas, em todo o litoral paulista, têm participação de grupo de espécies, pioneiras ou secundárias, com ampla distribuição dos gêneros Piptocarpha e Vernonia (Asteraceae), Cecropia (Cecropiaceae), Clethra (Clethraceae), Alchornea, Hyeronima e Pera (Euphorbiaceae), Senna (Fabaceae), Miconia e Pleroma (Melastomataceae), Myrsine (Primulaceae) e Solanum (Solanaceae)
As áreas com vegetação secundária caracterizam-se, em geral, por baixa diversidade de espécies e homogeneidade fisionômica em cada estádio sucessional. É comum encontrarem-se algumas espécies dominantes em cada estágio, que conferem os aspectos homogêneos às áreas.
Os estágios sucessionais são distintos, conforme se iniciem imediatamente após derrubada da vegetação primária, ou após cultivo sucessivo durante um ou mais anos, e posterior abandono. Dependem também do volume de retirada de solo e ocorrência de deslizamentos naturais, da dimensão da área aberta e da distância de fontes de propágulos, entre outros fatores.
Deve-se considerar ainda a ocorrência de processos de dificultação por espécies já estabelecidas, principalmente Pteridium esculentum subesp. arachnoideum (Pteridaceae), que apresentam ampla distribuição e cujos sistemas radiculares, associados a ações alelopáticas, não permitem o estabelecimento e desenvolvimento de espécies de estágios sucessionais posteriores.
Em diversos trechos da Serra do Mar em Salesópolis, as espécies arbóreas dos estádios iniciais de sucessão mais importantes são: Cecropia pachystachia, C. glaziovii (Cecropiaceae), Clethra scabra (Clethraceae), Croton floribundus, C. urucurana (Euphorbiaceae), Casearia sylvestris (Salicaceae), Miconia formosa, M. theaezans, Pleroma raddianum (Melastomataceae), Mimosa scabrella (Fabaceae), Capsicum flexuosum, Solanum granuloso-leprosum, S. paniculatum, S. vellozianum (Solanaceae), Urera bacifera (Urticaceae) e Citharaxylum myrianthum (Verbenaceae) (Mantovani, et. al., 1990).
Trabalhos que indicam espécies da sucessão secundária na Serra do Mar, em Cubatão (Silva F., 1988; Mendonça et. al. 1992; Leitão F., 1993), relacionam como representantivas: Cecropia glaziovii, C. pachystachia, (Cecropiaceae), Miconia cinnamomifolia, Pleroma raddianum, (Melastomataceae), Myrsine coriacea, Myrsine umbellata (Primulaceae), Syagrus romanzoffiana, Bactris setosa (Arecaceae) e Cupania oblongifolia (Sapindaceae).
Em termos ideais, a escolha das espécies para recuperação de áreas deveria levar em consideração os seguintes aspectos:
- Utilização de espécies nativas do local, respeitando-se a altitude, o relevo, etc.
- Seleção de espécies conhecidas, do ponto de vista silvicultural.
- As espécies devem ser priorizadas com base em suas aptidões ecológicas, em especial aquelas relativas às respectivas classes na dinâmica sucessional.
- É importante conhecer os sistemas reprodutivos das espécies a serem utilizadas.
- Espécies raras ou ameaçadas de extinção devem ser priorizadas, em relação àquelas mais comuns, quando possível.
- Em casos específicos, devem ser escolhidas espécies resistentes a fatores de tensão ambientai (poluição, por exemplo).
- As sementes e mudas devem ser obtidas de matrizes próximas à área de perturbação.
- Se possível, devem ser utilizadas espécies atrativas para a fauna.
- Deve haver disponibilidade de mudas.
Foram destacados, entretanto, dois fatores que limitam a aplicação destes critérios:
- Falta de conhecimento sobre as espécies vegetais, devido à escassez de levantamentos florísticos e fitossiciológicos, de dados sobre aspectos silviculturais e de trabalhos que abordem aspectos referentes à dinâmica da vegetação.
- Falta de viveiros que produzam mudas que atendam aos critérios destacados acima, ou seja, apesar dos avanços de pesquisas neste sentido, ainda ocorre um déficit de mudas para o reflorestamento.
Por fim, outros modelos de repovoamento de espécies podem ser levados em consideração, como a inclusão da serapilheira de áreas próximas, visando a um incremento no banco de sementes.
As principais fontes de dados são os levantamentos florísticos e fitossociológicos e os estudos silviculturais. O principal fator limitante, na utilização destes dados, é a ligação entre o conhecimento acadêmico e o usuário desta informação. Um estímulo no processo de informatização dos herbários, assim como a continuidade e incremento de banco de dados pré-existentes ou em formação, como a base de dados tropicais, o projeto biota e o projeto flora fanerogâmica do estado de São Paulo, podem propiciar este elo.
Considerando as necessidades prementes de existência de uma lista básica de espécies vegetais, a fim de orientar a produção por parte dos viveiros e os projetos já em andamento, foi proposta a adoção de uma lista básica preliminar. Como primeira contribuição para a adoção desta lista, foram avaliados diversos trabalhos florísticos realizados no contexto da encosta atlântica da Serra do Mar. Ao longo dos anos, esta lista foi ampliada com novos estudos e levantamentos florísticos, estando documentada no livro: “Lista de espécies indicadas para restauração ecológica para diversas regiões do estado de São Paulo”, coordenada pelo Pesquisador Cientifico VI Dr. Luiz Mauro Barbosa e disponibilizada no link abaixo.
Com isso, procurou-se indicar as espécies dentro do amplo espectro do processo sucessional, como orientação básica para atender aos principais processos de recuperação de áreas degradadas na encosta da Serra do Mar.
A necessidade de uma ação diferenciada, que contemple as diversidades existentes entre as regiões do estado de São Paulo, pode, em parte, estar sendo atendida neste trabalho, com a disponibilização das informações para todos aqueles que se ocupam da recuperação de áreas degradadas. Tanto os responsáveis pela formulação e execução de políticas públicas relacionadas à recuperação das áreas degradadas, como os comitês de bacias hidrográficas, prefeituras, financiadores de projetos de recuperação ambiental e órgãos de controle ambiental, quanto os diretamente envolvidos com a implantação de projetos (técnicos, extensionistas, associações de reposição florestal, agricultores e outros empreendedores) devem minimamente conhecer os resultados deste trabalho, para que tenham suas atividades amplamente facilitadas.
A publicação “Lista de espécies indicadas para restauração ecológica para diversas regiões do estado de São Paulo” é resultado de um minucioso levantamento sobre as diversas espécies vegetais do estado, com os mais variados hábitos de vida. “É uma ferramenta indispensável aos reflorestamentos qualificados, a partir de uma listagem exemplificativa de espécies vegetais nativas regionais, de ocorrência em ambientes florestais e campestres, indicadas para plantio e ou manutenção da biodiversidade”, explica Luiz Mauro Barbosa.
Rico em imagens para facilitar a identificação, são mencionadas 939 espécies arbóreas, 175 arvoretas, 448 arbustos, 218 subarbustos, 484 ervas, 167 lianas, 242 epífitas, 145 aquáticas e paludosas e 133 pteridófitas, totalizando 2.951 espécies que podem ser utilizadas para a restauração ecológica. O livro também contém de um roteiro básico das atividades necessárias para a elaboração de projetos de restauração ecológica e uma lista com recomendações para restauração e conservação da biodiversidade. Nesta edição, estão destacadas em vermelho 678 espécies da flora ameaçada de extinção do estado de São Paulo.
- Lista de espécies indicadas para restauração ecológica para diversas regiões do estado de São Paulo (PDF 39.8 MB)
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