
23/03/2023
Foto: Escorregamento próximo à Vila do Sahy em São Sebastião (SP), acervo NGGRMA/IPA
Recomposição das formações florestais visando à restauração de áreas de escorregamentos da Serra do Mar na região de São Sebastião (litoral paulista) por Luiz Mauro Barbosa
São poucos os lugares da Terra que abrigam tantas formas de vida como a mata atlântica brasileira. Milhares de espécies de animais, plantas e microrganismos, com alto grau de endemismo, vivem neste ambiente. Em geral, a vegetação responde às características atuais, resultantes das alterações do clima, do solo e, principalmente, do histórico de ocupação de uma região, entre outros fatores.
Os recentes e drásticos escorregamentos ocorridos nos últimos meses, na Serra do Mar, nos municípios paulistas, em especial em São Sebastião, estão intimamente relacionados com este fator.
O processo de desmatamento nos trópicos tem levado à fragmentação das florestas e à extinção de espécies animais e vegetais. As implicações legais e a ausência de resultados de pesquisa científica têm sido os maiores impedimentos da conservação da biodiversidade e da utilização autossustentada de áreas degradadas, em situações diversas.
Estudos sobre recuperação de áreas degradadas têm sua grande importância relacionada ao fato de que a biomassa, formada pelo crescimento das árvores e arbustos em formações complexas de vegetação, até hoje é, e por muito tempo continuará sendo, a grande fonte de energia renovável de matérias primas essenciais para a humanidade. A grande parte das madeiras usadas para fins energéticos é ainda extraída das florestas, ou de outras formações vegetais nativas. Por outro lado, a diversidade de organismos vivos, responsável pelo equilíbrio ecológico, representa um inestimável potencial genético que deve ser considerado. Muitos dos problemas atuais e relacionados aos escorregamentos das encostas, à saúde e à alimentação, por exemplo, têm, na manutenção e preservação da biodiversidade, a grande perspectiva de solução.
As florestas são também importantes na preservação dos solos, através da prevenção dos processos erosivos, em especial em regiões topograficamente acidentadas, como acontece nas encostas da Serra do Mar. Toneladas de solos férteis são transferidas com a retirada das florestas, assoreando os rios. Como consequência, ocorrem alterações na estrutura populacional dos organismos terrestres e aquáticos e, se não bastassem estes problemas, a contaminação de aquíferos, a interferência em estradas e o próprio abastecimento de áreas urbanas têm ampliado as dificuldades geradas pelos deslizamentos das encostas da Serra do Mar.
Trabalhos integrados, envolvendo diferentes modelos de reflorestamento, associados aos estudos de diagnóstico e avaliação de fragmentos florestais, certamente têm contribuído para a recuperação de áreas degradadas e para a conservação das espécies pouco abundantes, endêmicas ou em risco de extinção.
O workshop sobre Recuperação de Áreas Degradadas da Serra do Mar e de Formações Florestais Litorâneas, realizado nos dias 28 e 29 de abril de 2000, em São Sebastião – SP, reuniu 180 dos mais importantes especialistas brasileiros nesse campo do conhecimento. A iniciativa de realização do evento veio da necessidade de resolver problemas gerados por frequentes escorregamentos na Serra do Mar no estado de São Paulo, fossem ocasionados por fenômenos naturais relacionados ao solo e clima, fossem em decorrência de ação antrópica, especialmente a ocupação desordenada das áreas florestais.
De acordo com Barbosa (2000), neste workshop organizado pela Secretaria do Meio Ambiente, por meio de sua Coordenadoria de Informações Técnicas, Documentação e Pesquisa Ambiental, foi realizado um diagnóstico da situação à época, para resgatar experiências e resultados de trabalhos de recuperação na região da Mata Atlântica, definir áreas prioritárias para recuperação, conhecer a disponibilidade de mudas e sementes e incentivar pesquisas e ações de recuperação de áreas degradadas. Os cientistas e técnicos distribuíram-se em 7 grupos temáticos de trabalho, a saber: 1. Diagnóstico e intervenções em áreas de risco; 2. Seleção de espécies para repovoamentos vegetais; 3. Tecnologia de produção de sementes e mudas para a recuperação de áreas degradadas; 4. Técnicas de plantio; 5. Recuperação de áreas degradadas em restinga; 6. Recuperação de áreas degradadas em manguezal; e 7. Indicadores de avaliação e monitoramento de áreas restauradas.
Na época, foram levantados os principais trabalhos de repovoamento vegetal, realizados em áreas da encosta atlântica, cujos principais pontos abordamos a seguir.
De acordo com algumas experiências e, principalmente, tendo em vista locais pouco acessíveis, a CETESB juntamente com o IPT e os extintos Institutos de Botânica e Florestal, atual Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), trabalharam, em 1989 e 1990, com espécies nativas arbustivas e arbóreas, tolerantes à poluição e pertencentes aos estágios iniciais de sucessão secundária da Mata Atlântica.
Em Cubatão, além dos experimentos de plantio em escorregamentos com solo exposto, a CETESB realizou plantios, em 1993, utilizando 35 espécies secundárias (iniciais e tardias), de ocorrência na Mata Atlântica de encosta no estado de São Paulo, em duas áreas afetadas no Vale do Mogi e no Caminho do Mar, e uma área no Vale dos Pilões, como controle para comparações.
Estas investigações indicaram modelos de recuperação das áreas degradadas, baseados no conhecimento das espécies, na compreensão da estrutura de trechos remanescentes da mesma bacia hidrográfica e na observação de processos naturais de sucessão, com uma forte tendência à utilização de módulos compostos por espécies de diversos estágios sucessionais e ao enriquecimento concomitante do banco de sementes do solo. Estes modelos refletem bem, até hoje, o nível do conhecimento sobre os condicionantes físicos, as características das comunidades, suas relações e sobre cada uma das populações que as compõem. O ideal é a obtenção da recomposição vegetal baseada numa quantidade cada vez maior de informações, de forma a restabelecer as estruturas e as funções de floresta o mais próximo das existentes naturalmente, o que tem sido indicado até hoje.
A publicação “Lista de espécies indicadas para restauração ecológica para diversas regiões do estado de São Paulo” é resultado de um minucioso levantamento sobre as diversas espécies vegetais do estado, com os mais variados hábitos de vida. “É uma ferramenta indispensável aos reflorestamentos qualificados, a partir de uma listagem exemplificativa de espécies vegetais nativas regionais, de ocorrência em ambientes florestais e campestres, indicadas para plantio e ou manutenção da biodiversidade”, explica Luiz Mauro Barbosa.
Rico em imagens para facilitar a identificação, são mencionadas 939 espécies arbóreas, 175 arvoretas, 448 arbustos, 218 subarbustos, 484 ervas, 167 lianas, 242 epífitas, 145 aquáticas e paludosas e 133 pteridófitas, totalizando 2.951 espécies que podem ser utilizadas para a restauração ecológica. O livro também contém de um roteiro básico das atividades necessárias para a elaboração de projetos de restauração ecológica e uma lista com recomendações para restauração e conservação da biodiversidade. Nesta edição, estão destacadas em vermelho 678 espécies da flora ameaçada de extinção do estado de São Paulo.
- Lista de espécies indicadas para restauração ecológica para diversas regiões do estado de São Paulo (PDF 39.8 MB)
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