
28/02/2023
Antes de tudo, meu amigo. Conheci Adauto em 1956, quando cursávamos o preparatório para ingressar na USP: o cursinho do Grêmio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Cursávamos à noite, pois ambos trabalhávamos durante o dia. Interação frequente e profícua, pois almejávamos o mesmo fim. Adauto foi várias vezes estudar na casa de meus pais. Ele morava em uma pensão e adorava estudar em minha casa, pois rendíamos muito e minha mãe sempre o convidava para almoçar.
Entramos juntos no Curso de História Natural da USP (período noturno) e ali convivemos durante seis longos anos, na Alameda Glete, no bairro de Santa Cecília, onde funcionava esta parte da Universidade. Durante o terceiro ano do curso fomos estagiar no então Instituto de Botânica (hoje Instituto de Pesquisas Ambientais), ambos levados por influência de um colega de curso que já estava radicado no Instituto. Fomos nomeados técnicos de laboratório graças ao Plano de Ação do Governo Carvalho Pinto e quase que imediatamente após a grande reforma por que passou a instituição. Fomos alocados na recém criada Seção de Criptógamos, então sob a direção de Oswaldo Fidalgo, micólogo trazido do Jardim Botânico do Rio de Janeiro pelo Diretor Geral do Institutona época, Alcides Ribeiro Teixeira. Fidalgo veio com sua esposa, também especialista em fungos, Maria Eneyda Pacheco Kauffmann Fidalgo. Em seguida viriam para a Seção de Criptógamos, também como técnicos de laboratório, Rosa Maria (algas de água doce), Marilza e Noemy (algas marinhas), Daniel Vital (briófitas), Paulo Windish (pteridófitas), Gil Felipe (iniciou com algas marinhas), Ivany Válio (pteridófitas) e outros.
Os profissionais já funcionários do Instituto chamavam-nos de ‘os moleques’. Fidalgo se esmerou ao máximo para nos ensinar os primeiros passos na pesquisa científica e trouxe professores do Exterior para colaborar no ensino dos primeiros passos, no caso do Adauto, especificamente em micologia. Veio nos visitar, entre outros, o Prof. Everett S. Beneke, de Michigan, especialista em fungos aquáticos, grupo ao qual Adauto se apegou e tornou-se o melhor especialista nacional e formador de uma escola produtiva e do melhor escol (Carmen Zotarelli e Iracema Crusius no Instituto de Botânica). Por orientação do Fidalgo saímos a buscar orientação no Exterior e Adauto foi aceito como aluno de pós-graduação na Michigan State University, onde cursou seu doutorado direto sob a orientação do Prof. Beneke.
Fomos juntos em 1963 para os Estados Unidos e sofremos inicialmente muito com nosso inglês ainda bastante incipiente que nos dificultava a comunicação e a leitura de um dia para outro de 10-20 páginas de trabalhos científicos em inglês. Mas, Adauto soube vencer dedicando o máximo que pode, 18-20 horas diárias, às disciplinas e à pesquisa de sua tese. Viajou para os Estados Unidos com sua esposa Nilza e a filha Thaís que completou nove meses já em terra norte americana. Retornou após cinco anos ao Brasil para iniciar sua carreira como Biologista (depois Pesquisador Científico) no Instituto de Botânica. Lecionou disciplina em nível de pós-graduação na Faculdade Paulista de Medicina, na Universidade de São Paulo e na Universidade Estadual Paulista ‘campus’ Rio Claro, dirigiu cinco dissertações de mestrado e 17 teses de doutorado. Publicou 69 artigos científicos em revistas nacionais e do Exterior, um livro e 10 capítulos em livros. Adauto colaborou ativamente na parte administrativa do Instituto, onde foi chefe de seção, diretor de divisão, assessor técnico e diretor da Instituição. E foi além, participando ativamente na criação da carreira de Pesquisador Científico e na regularização da profissão de Biólogo.
Adauto foi um pesquisador do mais alto gabarito científico, um marido extremoso e pai sempre presente e amado por suas duas filhas, Thaís e Patrícia. Mas, tive que usar o tempo passado de todos os verbos durante esta minha narrativa e isto doeu-me muito. Não quis preparar um obituário, mas contar um pouco sobre essa amizade que cultivamos por mais de 60 anos. Adauto nos deixou fisicamente na sexta-feira passada, dia 24. Está agora onde não podemos mais vê-lo, mas onde sabemos que está bem e olhando por todos nós e pelo Instituto que tanto amou. Que sua última viagem tenha sido tranquila, para onde foi colher os frutos que tão bem soube plantar durante seus 85 anos de vida terrena. Que Deus o tenha e guarde.
Carlos E. de M. Bicudo