- Foto: Ferrari
Ao contrário dos ambientes superficiais, as cavernas preservam com muita eficiência depósitos sedimentares que podem conter registros de mudanças ambientais passadas. No mundo todo, a interpretação de depósitos de cavernas tem colaborado para elucidar a evolução climática do planeta. A partir de datações e análise da assinatura isotópica das camadas de crescimento de estalagmites é possível obter a evolução de parâmetros ambientais, como a quantidade e proveniência de precipitações.
A datação de uma estalagmite calcítica de 70 cm de comprimento na caverna Botuverá em Santa Catarina, mostrou que esse espeleotema foi depositado sem interrupção ao longo de 116 mil anos. A análise espectral da composição isotópica do oxigênio 18 (O18), coletado a cada 1mm ao longo da estalagmite (uma resolução média de 150 anos), evidenciou um ciclo de 23 mil anos, alinhado com a modulação da radiação solar no tempo geológico, que é desencadeada por uma combinação de parâmetros orbitais. A análise dos dados mostrou que valores mínimos e máximos da radiação solar correlacionam-se com os máximos e mínimos do O18 da calcita.
Na região de Botuverá não existe uma estação seca definida, mas a região recebe chuvas de duas fontes distintas nas diferentes estações do ano. No inverno e na primavera, o deslocamento do ar frio e seco do sul, traz a umidade do oceano para o continente, provocando precipitações enriquecidas em O18. No verão e no outono, parte da precipitação está relacionada a fluxos de umidade da região amazônica, que se deslocam em direção ao sul do Brasil. Estas chuvas são relativamente menos enriquecidas em O18.
A partir das características da chuva na região e com base na moderna climatologia isotópica, as variações de O18 verificadas na estalagmite podem ser interpretadas como reflexo da proporção entre chuvas de inverno e chuvas de verão. Levando em conta o sincronismo dos dados isotópicos com as variações da insolação, o comportamento sazonal foi interpretado da seguinte maneira:
– nos períodos de máxima insolação no verão do hemisfério sul, a umidade proveniente da região equatorial (empobrecida em O18) tem uma participação maior na região sul do Brasil. A maior disponibilidade de calor também aumenta a quantidade de chuva, conseqüência do aumento de intensidade dos processos de convecção.
– nos períodos onde a radiação solar apresenta valores mais baixos, a participação da umidade capturada na região amazônica é menor, prevalecendo chuvas de inverno, relativamente mais enriquecidas em O18.
O trabalho mostra que a lenta modulação da intensidade da insolação desempenha um importante papel no posicionamento dos processos atmosféricos responsáveis pela distribuição das chuvas no sul do Brasil. O resultado deve colaborar para o aprimoramento de modelos paleoclimáticos.
Este trabalho é um dos resultados do projeto Registros paleoambientais do Quaternário em sistemas cársticos financiado pela FAPESP (Proc. 1999/10351-6) e coordenado pelo Prof. Dr. Ivo Karmann do IGc-USP. O trabalho contou com a participação de pesquisadores brasileiros e norte americanos e foi publicado na revista NATURE Vol 434 No 7029 do dia 2/3/2005) com o seguinte título:
Insolation-driven changes in atmospheric circulation over the past 116,000 years in subtropical Brazil.
Autores:
Francisco W. Cruz Jr.1, 2 , Stephen J. Burns 2 , Ivo Karmann 1 , Warren D. Sharp 3 , Mathias Vuille 2 , Andrea O. Cardoso 4 , José A. Ferrari 5 , Pedro L. Silva Dias 4 , Oduvaldo Viana Jr.1
Instituições:
1 Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, Brazil,
2 Department of Geosciences, University of Massachusetts, Amherst MA, USA,
3 Berkeley Geochronology Center, Berkeley, CA, USA,
4 Departamento de Ciências Atmosféricas, Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo, Brazil,
5 Instituto Geológico, São Paulo, Brazil.