04/06/2021

A araucária é uma árvore de importância ecológica, interesse comercial e valor cultural. A extração de sua semente, o pinhão, movimenta turismo e economias locais em diferentes pontos do Brasil. No entanto, a espécie está ameaçada de extinção e a contínua redução de sua população, além de constituir perda para nossa biodiversidade, impacta negativamente no sustento de agricultores familiares. Pensando nisso, pesquisadores do Instituto Florestal (IF) desenvolveram estudo para promover o reflorestamento de araucárias em Cunha/SP, de forma a atender demandas tanto de conservação da natureza quanto de geração de renda para as comunidades locais. A pesquisa resultou em um projeto de fomento ao plantio da espécie no município e que já está em andamento.

Cunha, localizado na região do Vale do Paraíba, é o maior produtor de pinhão do estado de São Paulo (630 toneladas ao ano). A araucária é imprescindível para a economia do município, que há décadas promove festivais e exposições sobre a espécie e seus produtos. A Festa do Pinhão, por exemplo, eleva a taxa de ocupação da rede de hoteleira e de alimentação e em 2019 atraiu 80 mil visitantes.

Na década de 1940, o engenheiro silvicultor Mansueto Koscinski escreve que “êsse extraordinário êxito do pinheiro, tão útil para nossa economia, tornou-se perigoso para o resto das florestas nativas, ameaçando-as de completo aniquilamento, pois a produção natural de pinheiro é muito inferior ao crescente consumo. Já começam a aparecer campos rasos em lugares onde havia outrora pujantes e majestosos pinheirais. Prova cabal de que não há reservas florestais “inesgotáveis””. No livro O Pinheiro Brasileiro, publicado pela Edições Melhoramentos, Koscinski defende a cultura da araucária pelos “bons brasileiros” e “previdentes industriais” de forma a “garantir a continuidade da produção, plantando novas florestas e reflorestando sem demora os terrenos onde estão sendo derrubadas.”

Em 2013 a araucária passou para a categoria “Criticamente em perigo” na “Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas” da União Internacional para a Conservação da Natureza – IUCN. Desde 2014 está catalogada como espécie “Em Perigo” na “Lista Nacional Oficial de Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção”.

No estudo recente publicado na Revista do Instituto Florestal, realizado em parceria com pesquisadores da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável da Secretaria da Agricultura e Abastecimento, foram utilizadas técnicas de geoprocessamento pra identificar as áreas mais apropriadas no município para o reflorestamento com a espécie.

Mapeando o futuro da silvicultura de araucária no município

Os pesquisadores selecionaram áreas com altitudes maiores que 900 m, pois a araucária se desenvolve melhor nesses ambientes. Também levaram em consideração o relevo, optando por áreas não adequadas ao uso agrícola.

“A produção de alimentos deve ser realizada nas terras mais férteis, de baixa declividade, onde o revolvimento anual do solo não provoca a perda deste solo e a consequente perda de fertilidade. Relevos com grande declividade normalmente são solos de pequena profundidade que favorecem o escoamento de nutrientes e consequentemente são mais pobres, propiciando um menor desenvolvimento de culturas agrícolas. Além de serem menos exigentes em nutrientes as espécies florestais não necessitam o revolvimento anual do solo, evitando desta forma a erosão. Espécies florestais são indicadas para terrenos declivosos pois sua implantação em áreas mais planas acarretaria a diminuição de locais para a produção de alimentos”, explica o engenheiro florestal Roberto Starzynski, pesquisador científico do IF e um dos autores do artigo.

As áreas que atenderam aos critérios para a realização da silvicultura compõem 40,6% do território do município. Estabelecendo diretrizes para orientar plantio de araucária no município, foram designadas a essas áreas três diferentes vocações de acordo com os níveis de declividade do terreno: reflorestamento homogêneo com araucárias, plantio em consórcio com espécies pioneiras de alto valor comercial e sistema silvipastoril, que mescla a silvicultura ao manejo de animais.

O plantio junto a espécies pioneiras potencializa o aproveitamento da área. Enquanto a araucária se desenvolve, espécies de rápido crescimento podem constituir uma fonte alternativa de renda. Os autores sugerem algumas espécies: aroeira pimenteira, bracatinga, cambuci, candeia e capixingui. Nestas espécies podemos encontrar as mais diferentes formas de uso da madeira, como carpintaria, construção civil, construção naval, lenha, carvão, caixotaria leve, cercas, moirões e cabos de ferramentas. Algumas espécies também têm potencial para pasto, além de temperos e frutos comestíveis.

Em relação ao sistema silvipastoril, a araucária proporcionaria a diversificação de renda daquelas comunidades rurais que ainda não comercializam sua madeira e o pinhão, além de melhorar o bem-estar dos animais com sua sombra. No entanto, é preciso tomar alguns cuidados, como por exemplo evitar que os animais comam um dos produtos comerciais, no caso o pinhão, reduzindo a renda destes produtores. Starzynski também revela que o gado pode ter problemas digestivos ligados à ingestão excessiva de pinhão, além do risco de ferimentos com as acículas, que são as folhas das araucárias.

A pesquisa estabelece diretrizes para o plantio de araucária no município, nas quais se recomenda a enxertia para obter a correta proporção e plantas femininas e masculinas, implantar árvores produtivas e precoces e introduzir variedades que possibilitem colheitas em diferentes meses. No entanto, deve-se evitar o uso do mesmo clone em todo o plantio para contemplar a diversidade genética.

Otimização da coleta de pinhão

A coleta de pinhão realizada atualmente em Cunha provém de áreas de ocorrência natural. Além de orientar reflorestamentos, a pesquisa propõe ainda estratégias de utilização sustentável da vegetação natural para garantir tanto a conservação das araucárias na região quanto a subsistência das comunidades rurais que utilizam o pinhão para alimentação e geração de renda.

Os pesquisadores analisaram por seis anos consecutivos a distribuição a queda de sementes ao longo dos meses. Foi observado que mais da metade da produção cai até o dia 10 de abril. No entanto, de acordo com a norma em vigor no estado de São Paulo, do ano de 1976, a coleta, o transporte e a comercialização do pinhão só podem ser feitos a partir do dia 15 de abril. Os produtores alegam que a medida reduz a quantidade de pinhão a ser comercializada, visto que é um produto altamente perecível. Neste sentido, os autores sugerem a antecipação do período do defeso, como já foi feito em Santa Catarina, em 2011, e no Paraná, em 2014.

Uma proposta que a pesquisa coloca aos produtores familiares é a comercialização como produto orgânico oriundo do extrativismo, agregando valor ao produto. Os autores também sugerem que eles se beneficiem da Política de Garantia de Preços Mínimos para Produtos da Sociobiodiversidade, programa criado pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), que oferece uma subvenção para o pinhão vendido abaixo do preço mínimo estabelecido para cada ano.  O programa visa diminuir as oscilações na renda dos produtores rurais e assegurar uma remuneração mínima. Baliza a oferta de alimentos, incentivando ou desestimulando a produção e garantindo a regularidade do abastecimento nacional.

Pesquisa científica embasando políticas públicas

Um dos desdobramentos da pesquisa foi a elaboração de um projeto de fomento ao plantio de araucária no município a ser desenvolvido pela Casa de Agricultura de Cunha.

O projeto já está em andamento e apresenta várias linhas de ação, como a sensibilização dos produtores para o plantio, a orientação técnica, o fornecimento de mudas e a pesquisa sobre o desenvolvimento das mudas e das técnicas de enxertia com a finalidade de obter árvores mais precoces quanto a produção de pinhão.

“Já foi feita a sensibilização dos produtores, foi boa a adesão e já há uma relação de interessados. Sementes já foram coletadas e estão sendo produzidas as mudas a serem ofertadas aos produtores”, relata Starzynski.

A importância da araucária

“É uma encantadora ornamentação do nosso tão belo país e muito peculiar às zonas em que se ostenta. Se juntarmos a esse aspecto característico o perfume das suas fôlhas, a música suave e  misteriosa da sua ramagem quando o vento sopra, o ar puro e embalsamado pela exalação da resina, riquíssimo em oxigênio dentro dos pinheirais – podemos afirmar que existe uma enlevadora sinfonia do pinheiro, que aliás, inspirou vários poetas, pintores e compositores de lendas misteriosas sobre árvore tão bela e útil. Os pinheiros e pinheirais contribuem sem dúvida para a salubridade da zona onde se encontram”

Mansueto Koscinski

Representação artística de araucária em xilogravura de autoria de Adolf Kohler / Acervo do Museu Florestal “Octávio Vecchi”

A araucária se mostra uma espécie relevante em vários níveis. Para nós que estamos cumprindo quarentena e estamos com saudade de nos reunirmos em uma Festa Junina (quem sabe no ano que vem), é impossível não lembrar que o pinhão é um dos maiores atrativos.

Junto à beleza cênica, que torna a araucária um atrativo na paisagem, a espécie movimenta o turismo e também a economia. Sua madeira pode ser utilizada para carpintaria, marcenaria, confecção de instrumentos musicais, compensados e na produção de celulose para fabricação de papel.

A coleta e venda do pinhão constitui um meio de subsistência para comunidades rurais, sendo a atividade considerada como uma prática capaz de manter a biodiversidade de maneira sustentável. Também é utilizada na alimentação. A semente é rica em calorias e fibras e contém minerais como potássio, cobre, zinco, manganês, ferro, magnésio, cálcio, fósforo, enxofre e sódio, além dos ácidos graxos linoleico (Ômega 6) e oleico (Ômega 9). Não é à toa que serve de alimento para a fauna nativa, desde aves (gralha azul, gralha amarela, maritaca verde e periquito) a mamíferos (anta, queixada, cateto, paca, esquilo e cotia), o que mostra também seu valor ecológico.

Espécie faz parte da história, da cultura e da identidade da região

O pinhão alimenta os seres humanos desde tempos remotos. Indígenas brasileiros utilizavam o pinhão assado, cozido ou sapecado ao fogo, como também processavam sua farinha que era adicionada à carne de caça ou peixe. Esses povos, a exemplo dos Kaingangs, tiveram papel relevante na dispersão da espécie e aumento das florestas de araucárias.

Antigos relatos do do século XVI atestam a ocorrência da araucária em Cunha. O inglês Anthony Knivet, participante de expedição que no ano de 1596 partiu da cidade de Paraty, no Rio de Janeiro, e atravessou a Serra do Mar, percorrendo trilhas utilizadas pelos índios Guaianás, narrou a existência de muitos pinheirais na região onde hoje se localiza o município paulista.

No século XIX, o uso do pinhão como alimento e produto comercial aparece nos registros da Barreira do Taboão de Cunha, construída para a cobrança de impostos e taxas pela circulação de mercadorias.

Tanta é a importância da espécie para a paisagem e a economia de Cunha que há mais de 20 anos o município promove festivais e exposições sobre a araucária e seus pinhões. E assim a cultura se fortalece, a economia gira e as florestas de araucárias se mantêm.

Revista do Instituto Florestal

O artigo “Estratégias para a preservação da Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze em Cunha-SP : aspectos ambientais, socioeconômicos e jurídicos” está disponível na Revista do Instituto Florestal v.32 n.2.

A Revista está recebendo artigos científicos para publicação nas próximas edições. Consulte as normas de submissão.

 

Foto de capa: Classificação de pinhões coletados na agricultura familiar / Crédito: Cesar Frizo

Texto: Paulo A. M.