
16/02/2021
Os paredões esculpidos pela ação do tempo compõem uma paisagem única no Estado de São Paulo, que se estende até o Paraná, formando as escarpas e cânions em maior extensão do território nacional. Uma opção maravilhosa de passeio pós-pandemia
O Sudoeste paulista abriga uma preciosidade da natureza: os cânions paulistas. A região tem belas paisagens constituídas por estas formações, escarpas e serras. Três importantes biomas convivem em harmonia – os campos sulinos, o cerrado e a mata atlântica. Além de cachoeiras, rios e riachos espetaculares, sítios arqueológicos, paleontológicos e marcante diversidade de aves e de mamíferos, e vestígios de importantes acontecimentos históricos.
Vista geral da região. Foto: Luis Alberto Bucci
Rio Pirituba – Estação Experimental de Itapeva. Foto: João Batista Baitello
Esse diagnóstico faz parte do relatório final – Proposta de Criação das Unidades de Conservação do Sudoeste Paulista – de novembro de 2019, assinado por mais de uma dezena de especialistas, incluindo os do Instituto Florestal, que viajaram várias vezes à região e embasaram a criação da Região Turística dos Cânions Paulista no final de 2019, a fim de promover sua conservação e desenvolvimento sustentável. Fazem parte os municípios de Itararé, Itapeva, Guapiara, Bom Sucesso de Itararé, Nova Campina, Ribeirão Branco e Apiaí. A região de estudo já possui três áreas de proteção ambiental: a Estação Experimental de Itapeva, a Estação Experimental de Itararé e a Estação Ecológica de Itapeva, todas administradas pelo Instituto Florestal.
Imaginem. Estes patrimônios tiveram seus primeiros registros no século XIX pelo botânico Auguste de Saint-Hilaire e pelo pintor Jean-Baptiste Debret.
Vista geral do Lageado (afloramento rochoso) da Estação Experimental de Itapeva.
Foto: João Batista Baitello
Vista geral do entorno a partir da Estação Experimental de Itararé.
Foto: João Batista Baitello
De acordo com os especialistas, devido a esta enorme riqueza quanto aos aspectos da geodiversidade e da biodiversidade, a região já foi amplamente estudada, buscando o aprimoramento do conhecimento destes atributos, seu uso sustentável e sua conservação.
Mais recentemente, há registros de estudos realizados desde a década de 60. Estudos na década dos anos 2000 foram orientados para subsidiar a implantação de Área de Proteção Ambiental. Durante todo tempo, foram vários os estudos detalhados sobre botânica. Em 2012, a área compreendida pelos cânions e escarpas foi reconhecida como Geosítio pela Comissão Brasileira dos Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), por iniciativa do Instituto Geológico. Nesse mesmo ano, a região foi inserida no Plano de Expansão das Áreas Protegidas no Estado de São Paulo, coordenado pela então Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SMA) e pela Comissão Paulista de Biodiversidade (CPB), culminando com o reconhecimento de ASPE, então Área sob Proteção Especial.
Exemplo de trabalho conjunto, em 2019, os estudos foram ampliados, sob orientação da Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente, e coordenação técnica do Instituto Geológico, com Instituto Florestal, Fundação Florestal, CETESB, Gabinete da SIMA, Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CN-RBMA), Prefeituras Municipais, empreendedores locais e pesquisadores (a exemplo da ESALQ-USP e da UFSCar). Com o avanço dos estudos técnicos, foram incluídos os municípios de Apiaí, Barra do Chapéu e Itaberá.
Os estudos confirmaram a relevância geológica e ecológica desse conjunto de ambientes, evidenciando sua importância em âmbito local, regional, estadual e nacional para se constituir em unidades de conservação, conforme a Lei Federal nº 9.985/2000 – a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o SNUC (BRASIL, 2000). Nesse contexto, a preservação ambiental permite também a preservação do rico acervo cultural que ela contém.
Sinningia canescens, Rainha-do-abismo. Foto: João Batista Baitello
Algumas das áreas visitadas para aprofundar os conhecimentos do meio físico (relevo, geologia, entre outros) e biótico foram: o Cânion do Pirituba, a Cachoeira do Palmito Mole, a Serra do Cristal, a Fazenda Ventania (Estação Ecológica de Itararé – Instituto Florestal) e a Gruta da Barreira.
400 milhões de anos
Percorrer a região é fazer uma viagem no tempo. Os cânions, escarpas e grutas são formados por arenitos (rochas sedimentares), com origem de aproximadamente 400 milhões de anos. Estes paredões esculpidos pela ação do tempo compõem uma paisagem única, formando as escarpas e cânions em maior extensão do território nacional – Escarpamento Estrutural Furnas – que se estende por cerca de 260 km de forma contínua entre o sul do Estado de São Paulo e a porção oriental do Paraná. Os maiores cânions da região estão ao longo dos rios Itararé, Pirituba e Taquari. O mais famoso – o cânion de Jaguaricatú – fica entre o município paulista e a cidade de Sengés, no Paraná, e é classificado como o oitavo maior cânion do mundo. Sua área conta com uma extensa vegetação preservada e ótimos pontos para tirar fotos incríveis.
Região dos Cânions de Itararé. Foto: João Batista Baitello
Além da beleza destas formações rochosas, a região conta com importantes e igualmente belos biomas e ecossistemas, como o Cerrado, os Campos Sulinos e a Mata Atlântica, além de cachoeiras, sítios arqueológicos, fósseis e serras. O estudo observou considerável área de Mata Atlântica, preservada ou em reflorestamento.
As altitudes variam entre 660 e 1.300 metros.
Com base nesses estudos, o governo do Estado também transformou a Floresta Estadual Ventania de Itararé em Estação Experimental de Itararé, com objetivo de experimentação florestal e conservação dos ecossistemas e processos ecológicos em zona de contato entre o Cerrado e a Mata Atlântica, de grande relevância ambiental, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de visitação pública, educação e interpretação ambiental em contato com a natureza.
Sítios arqueológicos
O estudo sobre a região revela, ainda, que os cânions da região de Itapeva despertaram interesse arqueológico desde fins do século XIX, quando Tristão de Alencar Araripe publicou, em 1887, um artigo na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro falando sobre a existência de um grande painel de arte rupestre em um abrigo formado no cânion do Itanguá, poucos quilômetros a oeste de Itapeva. Quase um século depois, o antropólogo Desidério Aytai, da PUC Campinas, revisitou o sítio arqueológico, denominado “Abrigo de Itapeva”, documentou as figuras e realizou uma pequena escavação arqueológica. No final dos anos 1970, o arqueólogo André Prous, da UFMG, foi convidado pelo espeleólogo Guy Collet para visitar alguns sítios na região de Bom Sucesso, detectando a existência de depressões no solo, de origem antrópica, as denominadas “casas subterrâneas”, das quais já se tinha notícia nos estados sulinos.
Capa da revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Fonte: https://ihgb.org.br/
A região foi pouco explorada nas décadas seguintes, até a execução de um amplo levantamento arqueológico realizado pelo geólogo Astolfo Gomes de Mello Araujo (1995, 2001) na bacia do Alto Taquari, englobando parte dos municípios de Itapeva, Itaberá, Bom Sucesso de Itararé, Nova Campina, Ribeirão Branco e Apiaí. Esse levantamento detectou a existência de 52 sítios arqueológicos líticos (com pedra lascada) e 45 sítios arqueológicos cerâmicos, além de diversos sítios com estruturas de terra, seja na forma de montículos ou depressões. Trabalhos posteriores aumentaram o conhecimento arqueológico sobre a região.
Dentro da área de estudo estão 45 sítios arqueológicos, sendo a maior parte deles na porção nordeste do Escarpamento Furnas.
As duas manifestações de grupos ceramistas remetem à Tradição Tupiguarani e Tradição Itararé-Taquara, com descoberta de vasilhames cerâmicos confeccionados por esses dois grupos e que são bastante distintos. Há registro de seis sítios Tupiguarani, localizados dentro da bacia do Alto Taquari. Já os sítios Itararé-Taquara compreendem 39 casos.
O estudo também assinala que não é coincidência a presença das matas de araucária, principalmente nas proximidades de Bom Sucesso de Itararé, “uma paisagem construída por populações pré-históricas”.
Exemplar de Araucaria angustifolia da Floresta Ombrofila Mista.
Foto: João Batista Baitello
Araucaria angustifolia da Floresta Ombrófila Mista, Região dos Cânions de Itararé.
Foto: João Batista Baitello
Sítios com Arte Rupestre
Conforme dados da formação da região, as escarpas do arenito Furnas apresentam vários pontos com inclinação negativa, locais onde pode ocorrer uma ocupação humana mais intensa, incluindo manifestações de arte rupestre.
O exemplo mais espetacular é o Abrigo de Itapeva, que apresenta um dos maiores painéis de arte rupestre do Estado de São Paulo. As gravuras apresentam a peculiaridade de terem sido pintadas internamente, algo pouco comum no Brasil. O abrigo apresenta também algumas pinturas com motivos zoomorfos, como veados, apresentando um estilo totalmente diferente do usual.
Além do Abrigo de Itapeva, existem outras manifestações de arte rupestre no Abrigo Pouso Alto e Borda, o Abrigo Fabri 1 e o Abrigo Fabri 2.
Partes das pinturas rupestres do abrigo Fabri 1.
Fonte: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/71/71131/tde-06022007-141320/publico/01PaginasIniciais.pdf
Sítios históricos
A região, marcada pela presença dos tropeiros, que faziam a ligação por terra entre São Paulo e a região sul do Brasil, apresenta rico acervo de sítios históricos. Um dos mais relevantes é a “Casa do Barão de Antonina” ou João da Silva Machado, que recebeu o título de barão de D. Pedro II. Ele começou sua vida como tropeiro e amealhou grande fortuna, tornando-se fazendeiro e responsável pela construção de estradas na região sul do país.
Turismo presente
A região de estudo já conta com cerca de 1.000 unidades habitacionais para hospedagem em hotéis e pousadas dos municípios, sem levar em conta outros meios, como casas para locação e campings. Atualmente, muitas destas unidades são usadas por hóspedes que estão a negócios nas cidades (como vendedores e compradores, por exemplo), durante os dias de semana, e por ecoturistas, nos fins de semana.
![]() Actinocephalus polyanthus, campos da EExp. de Itarare |
![]() Ananas ananassoides, Cerrado da EEc. e EExp. de Itapeva |
![]() Laplacea, pequena arvore da Floresta Ombrofila Densa Montana |
![]() Passiflora haematostigma, trepadeira do afloramento rochoso da EExp. de Itarare |
![]() Mandevilla atroviolacea, em afloramentos rochosos da EExp. de Itarare |
![]() Gomphrena macrocephala, EEc. de Itapeva |
Fotos: João Batista Baitello
Mais informações: Pesquisadora científica Mônica Pavão – monicapavao@yahoo.com.br