08/10/2019

Imagine poder descobrir qual é o pássaro que visita seu quintal ou identificar aquele canto que você sempre escuta usando apenas seu celular e ainda contribuir com a ciência. Pois é exatamente isso que o projeto “Avifauna do Parque Estadual Morro do Diabo (PEMD)“, localizado no município Teodoro Sampaio interior do estado de São Paulo, vem fazendo desde 2017 para mapear a região com a participação das crianças de escolas da região e seus familiares.

A iniciativa da bióloga Andréa Soares Pires em parceria com outros dois pesquisadores do Instituto Florestal (IF), Helder de Faria e Alexsander Zamorano Antunes, tem o objetivo de determinar a riqueza, composição, distribuição e abundância relativa das espécies no município, com ênfase na área urbana e alguns ambientes da unidade de conservação, bem como colaborar para a revisão das espécies existentes na unidade.

“Já temos vários resultados interessantes, como o avistamento recorrente do asa-de-telha (Agelaoides badius), que não tinha distribuição registrada para essa região. O registro inédito foi feito em 2018 na zona urbana e este ano já catalogamos uma fêmea com filhote na sede do PEMD. Outro registro interessante e inédito para região foi o rei-do-bosque (Pheucticus aureoventris), que além de ser uma espécie rara, o único outro registro para o estado de São PAulo foi em Botucatu, em 2018. O que foi visto aqui estava numa área no interior da mata, que estamos monitorando”, explica a pesquisadora.

Andréa também conta que a participação dos cidadãos na busca pelo conhecimento se tornou algo necessário, e parte integrante da ciência. Isto porque a complexidade dos desafios enfrentados na atualidade, como o aquecimento global e o esgotamento dos recursos naturais, por exemplo, não pode prescindir da participação da sociedade na definição de alternativas. A Ciência Cidadã, apontada pela pesquisadora como a futura “responsável por salvar a riqueza de espécies”, é uma forma da sociedade contribuir com a geração de dados científicos que podem ser usados em pesquisas.

Assim veio a ideia de ensinar às crianças a observação de aves, apresentando aplicativos digitais acessíveis próprios para a atividade, e assim, fazê-los entender que podem contribuir imensamente à pesquisa científica. “Quem conhece a importância da biodiversidade é que vai se preocupar com ela. Nada melhor que despertar isso em crianças”, ressalta a bióloga.

Para essa aproximação com a criançada, a pesquisadora selecionou duas escolas, sendo uma rural e outra urbana, para passarinhar durante o mês de setembro deste ano. Na Escola Estadual de Santa Clara, localizada na zona rural do município de Mirante do Paranapanema, 48 alunos participaram da atividade que ocorreu durante uma manhã na mata próxima à escola, e foram vistas 44 espécies. Os estudantes anotaram as observações em cadernetas e relatórios, pois a maioria não tem celular e nem computador. A pesquisadora fará até novembro registros na plataforma online eBird, junto com os estudantes, nos computadores da escola.

No Colégio Novo Milleniun, na zona urbana de Teodoro Sampaio, participaram da atividade 217 pessoas (entre alunos e professores), que foi divida entre 8 dias úteis consecutivos, tendo uma média de 1h com cada turma. Foram avistadas 43 espécies. Nesta escola as crianças de sete anos já usam o celular sem nenhuma dificuldade a maioria já tem o Merlin, aplicativo de identificação de aves, instalado. Andréa conta que ampliou a quantidade de dias pelo grande interesse dos alunos. “O bacana foi que definimos a faixa etária de 7 a 13 anos, mas a turma dos 8º, 9º e colegiais se entusiasmaram e quiseram participar, por isso tive que estender mais dois dias”. Durante este período foram feitos vários registros no WikiAves (site brasileiro de observadores) e eBird para o município.

A bióloga conta orgulhosa de algumas situações que a surpreenderam no envolvimento com as crianças. “Várias situações me emocionaram. Uma delas foi a do aluno autista que chegou mais cedo que o comum e interagiu com as crianças. O trajeto da passarinhada passava por sua casa e ele chamou os pais para mostrar que tinha visto dois passarinhos diferentes. Teve também um aluno do 3º ano que todo dia está saindo para passarinhar e usando o Merlin. Sua mãe até fez um vídeo dele explicando sobre o aplicativo. E teve outra mãe que se surpreendeu ao falar para a filha que tinha visto um bem-te-vi e a menina perguntou: “Qual espécie? Porque tem várias”.

“Crianças são curiosas, observadoras e adoram inovações. Então temos que aproveitar esse potencial para empoderá-las no conhecimento sobre o meio em que vivem e com isso sensibilizá-las para contribuir com a ciência”, conta a pesquisadora.

Andréa também ressalta a importância da tecnologia para a atividade e as criança: “essa galerinha é uma geração Google, então ficaram empolgados quando descobriram que o Merlin “reconhecia” as espécies para eles e tinha sons de cada espécie. Agora eles têm uma tarefa para entregar até outubro, que é observar os seus quintais e ir anotando o que reconhecerem. Estou ansiosa pelos resultados. No entanto, essa é uma atividade de extensão da pesquisa científica. Pretendo continuar, inclusive em Presidente Prudente, com as escolas municipais, cuja prefeitura de lá é nossa grande parceira. Acredito que se cada pesquisador de aves pudesse dar um pouquinho do seu tempo para ensinar a passarinhar, em breve teríamos um os melhores defensores da nossa fauna”.

Os caminhos até o projeto

Desde criança Andréa Soares Pires já observava plantas, insetos, minhocas no quintal de sua casa. Sua paixão pela biodiversidade só aumentou ao cursar biologia na Universidade Estadual Paulista (UNESP), concluir um mestrado na área de manejo de áreas protegidas e assumir como pesquisadora científica do Instituto Florestal no Parque Estadual do Morro do Diabo.

Gestora da unidade entre os anos de 2004 a 2012, umas das metas da pesquisadora sempre foi trazer a população para dentro do parque para que a comunidade entendesse que uma área protegida serve para o lazer e contemplação da natureza. Através de novas trilhas dentro da área de visitação, painéis e placas interpretativas, quiosques, banheiros, playground o número de visitantes passou de 2 mil por ano em 2004 para 25 mil em 2010.

Em 2007, junto a outro pesquisador do IF no PEMD, Andréa orientou uma monografia do curso de Turismo da UNESP de Rosana sobre birdwatching (observação de aves) como prática turística de baixo impacto. O objetivo da pesquisa era que um dia o Parque fosse um destino de Turismo Ecológico. Desde 2011 ocorreu uma intensificação da observação de aves na unidade.

Com a prática fotográfica, sendo aperfeiçoada desde 2013, a pesquisadora sentiu a necessidade de estudar as aves do município após constatar, observando o quintal de casa durante seis meses, a ocorrência de 64 espécies diferentes de aves.

Neste mês de outubro, Andréa irá falar sobre como a Ciência Cidadã é uma forma de interagir a educação e comunicação ambiental e colaborar com a ciência “tradicional” no Congresso Latinoamericano de Áreas Protegidas da IUCN em Lima, no Peru.

A tecnologia na passarinhada

“Se conseguirmos que 2% dessas crianças façam da observação de aves uma prática e façam seus registros em plataformas digitais já teremos garantido sucesso”, afirma Andréa enfatizando a importância da tecnologia para os registros da observação de aves e à pesquisa científica.

O WIKIAVES é um site brasileiro de observadores de aves e que tem como objetivo apoiar, divulgar e promover a atividade de observação de aves, através de registros fotográficos e sonoros, identificação de espécies e comunicação entre observadores, fornecendo ferramentas interativas que permitam promover a busca pelo conhecimento, a comunicação entre usuários, a divulgação de informações sobre as aves brasileiras com foco na preservação e a formação colaborativa do maior banco de dados sobre aves do Brasil na Internet.

O eBird é um banco de dados online de observações de aves fornecendo aos cientistas, pesquisadores e naturalistas amadores ricas fontes de dados para informações básicas sobre a abundância e distribuição de aves em uma variedade de escalas espaciais e temporais e dados em tempo real sobre a distribuição e a abundância de aves. Em 2014, os participantes do site relataram quase 61 milhões de observações em todo o mundo.

O Merlin Bird ID é um aplicativo de identificação de aves foi desenvolvido pelo laboratório de Ornitologia da Cornell University, é gratuito e está disponível para download na loja de aplicativos do seu smartphone. O Merlin utiliza inteligência artificial para analisar fotos e sugerir espécies. Como toda inteligência artificial, quando mais for alimentada com fotos e feedback (se acertou ou não), maior será sua taxa de acerto. Ou seja, o Merlin tem potencial para ficar cada vez melhor.

Fotos: Acervo Instituto Florestal