
20/06/2017
Utilizando marcadores moleculares e análises de paternidade, pesquisadores do Instituto Florestal do Estado de São Paulo (IF), com apoio financeiro da FAPESP, conseguiram avaliar os efeitos do isolamento espacial causado pela fragmentação florestal sobre os padrões cruzamento e fluxo de pólen em pequenas populações de Jequitibá rosa (Cariniana legalis) localizadas em fragmentos de Mata Atlântica. O estudo, coordenado por Alexandre Sebbenn e Miguel Freitas, ambos pesquisadores do IF, Evandro Tambarussi e Roland Vencovsky, pesquisadores da USP, e David Boshier, da Universidade de Oxford (Reino Unido), foi publicado na revista Ecology and Evolution em 2015.
A fragmentação florestal causada pelo homem é uma das maiores ameaças à biodiversidade das florestas tropicais. Nesse processo, florestas que antes eram contínuas são subdivididas e espacialmente isoladas em fragmentos florestais de menor tamanho. Esses fragmentos da floresta original ficam então cercados por áreas ocupadas por atividades antrópicas, como plantações, criação de animais, estradas, construções, etc. Embora a fragmentação florestal seja um problema global, nos trópicos esse processo é particularmente crítico, pois é nessas regiões que está concentrada uma elevada diversidade de espécies.
A espécie estudada, o Jequitibá rosa, é um gigante endêmico da Mata Atlântica, podendo atingir até 60 m de altura e 4 m de diâmetro. Grandes árvores são consideradas elementos cruciais para sustentar um ecossistema florestal, devido ao seu grande porte e longevidade, fornecendo frutos, flores, abrigo e outros recursos, além de proporcionar condições ambientais para outras plantas e também para populações animais, tais como insetos, aves e morcegos, que são os principais polinizadores da maioria das espécies arbóreas. Contudo, a diversidade genética dos gigantes da floresta sofre grande influência do processo de fragmentação florestal. As populações declinam em densidade de indivíduos e, associado ao isolamento espacial, o movimento de pólen e de sementes são alterados, o que pode levar à perda da diversidade genética em função do aumento da autofecundação e cruzamentos entre indivíduos aparentados. Essas alterações influenciam processos ecológicos e evolutivos, ameaçando tanto as espécies arbóreas, como os organismos associados.
O pesquisador Sebbenn comenta que, embora seja considerada uma espécie chave para a manutenção da Mata Altântica, o Jequitibá rosa encontra-se sob risco de extinção devido ao extensivo desmatamento deste bioma. “As populações remanescentes de Jequitibá rosa encontram-se isoladas e em baixa densidade, o que torna necessário o desenvolvimento de estratégias para a conservação dessa espécie. Para tanto, é preciso conhecer a diversidade genética e a estrutura genética espacial de suas populações, e entender como se dão os cruzamentos e o fluxo de genes dentro e entre as populações”.
Os pesquisadores estudaram pequenas populações localizadas em três fragmentos florestais perto de Piracicaba, no estado de São Paulo, dos quais dois são situados na Estação Ecológica de Mogi Guaçu, gerida pelo IF. Dentre as populações estudadas, as duas de menor densidade populacional (com 22 e 4 árvores) estavam a 3 km de distância uma da outra e a 75 km da população de maior densidade (65 árvores), que por sua vez estava a no mínimo 4 km distante de outras populações de Jequitibá rosa, não incluídas no estudo. As 91 árvores dessa espécie presentes nos três fragmentos foram mapeadas, mensuradas e tiveram amostras de DNA extraídas. Além disso, os pesquisadores coletaram 1050 sementes das árvores estudadas nas três áreas e realizaram a germinação destas em laboratório para extrair o material genético das plântulas que emergiram.
Todo o material genético coletado foi analisado no laboratório da ESALQ/USP e a partir do conhecimento dos genótipos dessas plantas foi possível rastrear o parentesco das sementes. Sebbenn explica que quando as sementes são coletadas diretamente das copas das árvores, e todas as árvores reprodutivas da espécie têm seus genes e sua localização espacial determinada dentro dos fragmentos florestais, é possível determinar com análise de paternidade quem são os pais destas sementes. “Com essas análises podemos saber quem contribuiu com a metade dos genes de cada semente e onde estava localizado este pai. Isso permite saber a proporção de pais que estavam localizados dentro dos fragmentos, sendo possível determinar a distância e os padrões de dispersão de pólen dentro das populações. Além disso, é possível determinar também a proporção de pais que estava localizada fora dos fragmentos, o que nos dá a informação da proporção de pólen imigrante ou fluxo de pólen”.
O estudo revelou que o isolamento espacial das populações não resultou em isolamento reprodutivo. Contudo, o fluxo de pólen estava baixo em todas as população, com máximo de 8% de pólen imigrante. A distância média de dispersão de pólen dentro das populações variou de 63 a 352 m. Foi detectado também um forte padrão de cruzamento entre árvores vizinhas localizadas espacialmente próximas em todas as populações, o que caracteriza um padrão de dispersão de pólen por isolamento por distância. A análise de estrutura genética espacial das árvores adultas dentro das populações revelou que os indivíduos adultos localizados espacialmente próximos até 150 m eram parentes. Devido a dispersão das sementes e a regeneração ocorrer próxima às árvores mães nas populações, o padrão de dispersão de pólen por isolamento por distância resultou em cruzamentos entre árvores parentes, logo em endogamia nas sementes.
Sebbenn explica que a endogamia resulta em sementes com problemas genéticos ou baixo crescimento, ausência de fertilidade ou mortalidade precoce, logo é indesejável que isso ocorra. “A menor população, que tinha apenas quatro árvores adultas, apresentou a maior taxa de autofertilização, o que resulta em endogamia mais forte do que o cruzamento entre parentes. Isso demonstra que pequenas populações de Jequitibá rosa devem ser evitadas quando se pensa em coletar sementes da espécie para a recuperação ambiental”.
O pesquisador Freitas ressalta que, embora este estudo seja uma pesquisa básica, ele tem aplicabilidade para o desenvolvimento de estratégias de conservação genética da espécie. “Os resultados desse estudo fornecem subsídios para a coleta de sementes para fins de conservação in situ e ex situ e para a restauração ecológica, além do melhoramento florestal”. Ele explica que, para esses propósitos, é muito importante assegurar a diversidade genética coletando sementes de árvores não aparentadas, que não cruzaram entre si e que não receberam um conjunto de pólen sobreposto. “Nossos resultados para a estrutura genética espacial mostraram que as árvores matrizes para a coleta de sementes devem estar a no mínimo 150 m de distância para não sejam coletadas sementes de árvores aparentadas. Já o fluxo de pólen intrapopulacional revelou que o pólen é capaz de viajar até 352 m dentro da população. Sendo assim, nosso estudo sugere que a coleta de sementes dentro de uma população de Jequitibá rosa deva ser feita em árvores separadas a no mínimo 352 m de distância para que se tenha uma coleta de sementes que apresente o máximo possível de diversidade genética”.
Estudos como este são importantes para mostrar como resultados oriundos de ciência básica da genética de populações tem aplicabilidade no contexto da conservação e melhoramento genético florestal.
Para ler o estudo na íntegra acesse: http://bit.ly/2kUEZqd
Texto: Tamires Gonçalves (Bolsista FAPESP do Programa Mídia Ciência)
Mais informações: Pesquisador científico Dr. Miguel Luiz Menezes Freitas. Tel.: (16) 3984-1352. E-mail: miguel.freitas@pq.cnpq.br; Pesquisador cientifico Dr. Alexandre Magno Sebbenn. Tel.: (19) 3438-7116. E-mail: alexandresebbenn@yahoo.com.br