01/04/2014

Muitos dos fatores que afetam a Biodiversidade Vegetal são de natureza histórica e podem ser estudados através dos fósseis e microfósseis vegetais, na disciplina denominada palaeoecologia. A análise paleoecológica que utiliza os microfósseis de grãos de pólen das flores, esporos de samambaias e alguns tipos de algas microscópicas que se depositaram nos solos e fundos de lagos é promissora no sentido de reconstruir a diversidade pretérita da vegetação. Essa ciência chama-se Palinologia. A Palinologia é um excelente instrumento investigativo, pois pólen e esporos são resistentes às intempéries e se fossilizam quando sedimentados apropriadamente, revelando os estágios da vegetação até milhões de anos atrás.

Dentre todas as florestas brasileiras, as pertencentes ao domínio da Mata Atlântica são mais ameaçadas pela fragmentação causada pelo homem, especialmente suas matas de planalto, como as encontradas no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (PEFI), um dos poucos remanescentes urbanos deste tipo florestal, localizado na região sul da cidade de São Paulo. O PEFI é uma unidade de conservação que abriga a terceira maior reserva de mata nativa (Mata Atlântica) no município de São Paulo que por várias vezes sofreu intervenções que deixaram marcas deletérias como a poluição de seus mananciais e retirada de parte da floresta para a construção civil e paisagística. É nesta Reserva que se encontra o Instituto de Botânica da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo.

Estudo recente, publicado em março de 2014, pelas pesquisadoras científicas do Instituto de Botânica Cynthia Fernandes Pinto da Luz e Denise de Campos Bicudo e colaboradores em “Biodiversity and Conservation” (http://link.springer.com/article/10.1007/s10531-014-0626-5), relata os resultados da análise palinológica realizada nos sedimentos de fundo retirados do Lago das Garças, corpo d’água que se localiza na entrada do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga. Este estudo foi realizado com o objetivo de verificar como se deram as alterações na vegetação do PEFI no último século e, contribuir no entendimento dos processos e padrões sucessionais da Mata Atlântica em área urbana.

Esse estudo comprovou mudanças no conjunto florístico e no ambiente do entorno do lago, em grande parte relatada em documentos históricos. Assinalou-se no final do século 19 e começo do século 20 um menor percentual florestado, época pré-industrial, quando o local era moradia de sitiantes que plantavam chá (Camelia sinensis, família Theaceae) e quando predominou o pólen da árvore nativa e pioneira Trema micrantha (Canabaceae), o “periquiteiro”, além de várias gramíneas e samambaias. A regeneração natural da mata ciliar se deu como conseqüência da desapropriação dos sitiantes a partir de 1893. Somente em 1928 é que a região tornou-se um Parque Público, transferindo-se o Jardim Botânico para o PEFI. A partir dessa data evidenciou-se a contínua recuperação da floresta, inicialmente melhor representada por arbustos e árvores pioneiras como CeltisMyrcia e Piper. As obras de construção do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo nos arredores do lago em 1932 foram registradas nos sedimentos como um evento de abertura da mata e aumento de gramíneas, além de um incremento nos percentuais de algumas algas.  Em 1958, por ocasião da inauguração do Parque Zoológico, já havia uma maior heterogeneidade de espécies arbóreas nativas, como AlchorneaCasearia e Trichilia.  Os teores de nitrogênio e fósforo que vinham apresentando aumento gradual até a década de 50 expressaram grandes oscilações a partir daí e o Lago das Garças passou de oligotrófico (águas limpas) para hipereutrófico (águas poluídas). A partir de 1970 houve uma maior ocupação humana do local com a construção da Secretaria da Agricultura em área contigua ao PEFI, com a introdução de espécies arbóreas exóticas no entorno do lago como obra de paisagismo, o que se refletiu nas altas concentrações nos sedimentos do lago de pólen de Eucalyptus e Pinus. A partir da década de 1980 houve maior introdução de matéria orgânica e elevação nos teores de fósforo e nitrogênio nas águas do lago devido a descargas de esgotos. Os grãos de pólen das árvores da mata ciliar que predominam na atualidade foram observados nos sedimentos principalmente nas últimas décadas, indicando plena recuperação da floresta.

Sem indícios consistentes de mudanças no clima, essas alterações na vegetação foram atribuídas exclusivamente ao impacto das atividades humanas na área e a conseqüente regeneração da Mata Atlântica após a proteção legislativa da região. Com a integração dos resultados e referências históricas obteve-se maior clareza sobre os indícios biológicos e a sucessão da vegetação, o que torna o método muito satisfatório para auxiliar em programas de regeneração de áreas degradas em área urbana que apresentem remanescentes de Mata Atlântica.